A especialista em finanças sustentáveis Tatiana Alves fala sobre como o produtor pode se beneficiar do crescimento do interesse de investidores em financiar a produção responsável
Evoluir as práticas agropecuárias para um modelo de menor impacto ambiental exige maior investimento em tecnologia e inovação, acesso a conhecimento e assistência técnica. Há bons exemplos em diferentes tipos de cultivo e crescimento na oferta de crédito com diferenciais competitivos para quem produz de maneira mais sustentável. Mas para acelerar esse movimento e provocar as transformações na escala necessária para equilibrar a produção com os recursos do meio ambiente, é preciso multiplicar o investimento, expandir os mecanismos financeiros que dão acesso a esses investimentos para os produtores e aprimorar os modos de produção que permitem acessar esses novos recursos, sempre em busca de inovação que pode gerar benefícios socioambientais.
A diretora de finanças sustentáveis da Palladium, Tatiana Alves, é especialista no mercado de investimentos e sustentabilidade. A organização que ela representa desenvolve programas de impacto socioambiental, cadeias sustentáveis, direitos humanos, ajuda humanitária, saúde e outros em mais de 90 países. E, aliados a estes programas, mecanismos financeiros que viabilizam o acesso a capital e investimentos para a sua implementação. Trabalhando com governos, o setor privado, investidores comerciais e concessionais, a Palladium é responsável por estruturar programas e mecanismos financeiros e canalizar os recursos a projetos com diferenciais nessas áreas. Em última instância, projetos e programas que visem, apoiem e viabilizem o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.
Entre as iniciativas mais emblemáticas que implementa na América Latina está o Partnerships for Forests (P4F), programa financiado pelo governo britânico para acelerar modelos de negócios que combinem produção sustentável e a manutenção da floresta em pé. A Produzindo Certo é um dos projetos apoiados, com recursos financeiros e técnicos, pelo P4F na América Latina.
Nessa entrevista, Tatiana fala sobre como o produtor rural pode se beneficiar de instrumentos de mercado mais competitivos e sobre o crescimento do interesse de investidores em financiar a produção agropecuária que apresente produtividade associada a melhores resultados socioambientais.
Produzindo Certo: Como os produtores rurais podem se beneficiar com o mercado de finanças verdes?
Tatiana Alves: Canalizando recursos atrelados a impactos climáticos e socioambientais em atividades que de fato entreguem redução de emissões de GEE (gases de efeito estufa), inclusão social e melhoria da qualidade de vida. O grosso do agro no Brasil é focado em meia dúzia de grandes commodities… e o agro brasileiro está bem estabelecido nesse modelo de negócios, utilizando grandes extensões de áreas e com alta produtividade por hectare.
Entendo que os produtores integrantes da Plataforma Produzindo Certo, além de já atenderem ao Código Florestal e os requisitos legais brasileiros, já alcançaram este patamar de alta produtividade.
O novo pulo do gato para esse agro tradicional, falando de grãos especificamente, é ter formas de plantio que gerem o mesmo tipo de rentabilidade, mas com impacto ambiental mais baixo do ponto de vista de uso de fertilizantes e defensivos agrícolas, para evitar a contaminação dos solos e das vias de água, bem como formas de diversificar os plantios e técnicas para diminuir emissão e/ou sequestrar dióxido de carbono, um dos gases que geram o efeito estufa no planeta.
No fim das contas usar o seu solo de forma mais sustentável, com uma diversificação maior de de cultura, fazendo ILPF por exemplo, ou outros sistemas que combinem diferentes culturas no solo. Isso melhora não só produtividade do solo, mas também diversifica a produção e o produtor não fica refém do preço da soja, da carne, de uma commodity apenas que seja. Você está diversificando, melhorando a qualidade do solo e sofisticando a sua forma de produzir mais e melhor.
O produtor rural, nosso grande motor da economia, está bastante confortável com os produtos tradicionais dos bancos para as suas culturas tradicionais. Mas existem outras formas de se financiar, não só via o crédito rural via os bancos tradicionais. Por sinal, esse crédito apenas não dá conta de toda a demanda agrícola por crédito, e vai estar cada vez menos disponível. Portanto, esses novos produtos financeiros que estão sendo desenvolvidos, atrelados a indicadores de sustentabilidade, estão se tornando cada vez mais importantes para serem acessados, seja via bancos, mas também gestoras, para todo produtor. Hoje ele ainda acaba sendo acessado de fato por aqueles produtores mais propensos a inovar.
Produtores médios e grandes, de forma geral, já estão com seu business de soja, milho e outras culturas “commodities” relativamente bem estabelecidos. E são ciclos bem conhecidos pelos financiadores. Nem todos têm o interesse ou tempo para buscar algo inovador. Mas para esses que querem inovar para além simplesmente de produtividade, pois essa eles já estão muito próximos de alcançar ou já alcançaram, as inovações acontecem na forma como usam a terra, investindo em formas mais sofisticadas no cultivo destas mesmas commodities, com mais tecnologia envolvida, e que por consequência tem uma pegada socioambiental menor. E para isso podem acessar um financiamento desenhado de acordo com essas premissas e que buscam o impacto socioambiental como consequência. Uma série de gestoras de recursos, que operam no mercado de capitais, já está buscando trazer essas soluções, atreladas a metas socioambientais.
Em outras áreas, como a pecuária, ainda se tem muito a fazer na questão de produtividade, e ao se investir nisso, inevitavelmente o impacto socioambiental positivo é bastante relevante. Nesse segmento também já temos visto uma movimentação para criação de fundos que financiam o pecuarista para investir na implementação de tecnologias simples, mas que geram um grande “upside” do ponto de vista de produtividade e impacto na redução de gases efeito estufa.
PC: Quais seriam os primeiros passos para quem está interessado em acessar novos mecanismos de financiamento para a sua produção?
TA: Os médios e grandes produtores geralmente têm mais acesso a recursos financeiros. Como eu falei antes, se querem ainda manter o seu “modo de operação” como está, não querem buscar inovação, o status quo se mantém até sua forma de produzir de fato ficar claramente obsoleta e ele, mais cedo ou mais tarde, sofrerá as consequências. É claro que a partir do momento em que se busca um produto financeiro que está atrelado a metas de sustentabilidade – e por isso pode apresentar taxas de juros mais competitivas – ele decidiu sair de uma zona de conforto para justamente inovar.
Ao inovar ele obtém ganhos de produtividade, abre novos mercados, diversifica sua produção, melhora seu retorno médio e, dependendo do que decide fazer, como por exemplo implementação de “sistemas produtivos sustentáveis” e não apenas uma cultura sustentável, ainda sequestra dióxido de carbono por conta de novas formas de se produzir, o que pode vir a ser uma nova fonte de receita. Mas ele tem que ter a curiosidade, um interesse em inovar e, a partir daí, testar.
E claro, pode ir aos poucos. Esse testar sem dúvida nos tira de uma zona de conforto e são novos esforços que você vai colocar na mesa. Tentar uma produção mais orgânica e diversificar num mesmo espaço, como nos sistemas agroflorestais em maior escala, ILPF etc. Mas mesmo em monoculturas pode-se ser mais sustentável. A tecnologia para a soja e o milho já está mais avançada, então vale avaliar ILPF. O café pode-se valer de um monocultivo mais sustentável e em seguida partir para sistemas agroflorestais. O cacau, a mesma coisa, com sistemas agro-silvo-pastoris ou agroflorestal também.
Outro ponto importante é como você dá a chance para o pequeno produtor inovar. Temos milhões de pequenos pecuaristas Brasil afora que têm menos acesso à informação e ao crédito. Na pecuária tem um espaço gigantesco para inovar, melhorar a produtividade, diminuir esse peso da pecuária, que é tão importante na cultura e hábito alimentar do brasileiro, mas que hoje é uma atividade feita de forma pouco sustentável justamente pela falta de acesso a crédito para implementar novas tecnologias, vista de forma mais acentuada principalmente pelos pequenos pecuaristas.
A pecuária no Brasil pode vir a ser a grande vedete da produção sustentável de proteína no mundo e isso pode se materializar muito facilmente, basta maior acesso a crédito e assistência técnica para o uso de uma tecnologia relativamente simples. Temos que encontrar formas de agregá-los, transferir tecnologia e recursos, ajudar a ganhar produtividade, e revertemos lindamente esse quadro na pecuária brasileira.
Com muito pouco já é possível inovar. (Começar com) rotação de pasto e monitoramento do capim para garantir que o solo está sempre sequestrando carbono. Se ele pode e quer fazer mais, pode fazer mais ILPF, como incluir a floresta nessa história. Tudo depende do grau de maturidade de cada produtor, mas as opções estão aí para fazer diferente. E é possível começar aos poucos.
PC: O que é preciso para esse mercado acelerar entre os produtores rurais no Brasil?
TA: Você tem um despertar geral do mundo financeiro sobre como cuidar melhor do planeta. Estamos com uma geração nova de pessoas trabalhando nesse espaço de financiamento sustentável, que quer trazer informações. A tecnologia e a própria pandemia nos mostraram que você tem acesso à informação muito fácil. E além disso estão aparecendo mais investidores e financiadores interessados a incentivar práticas mais sustentáveis.
PC: Quem são os investidores e financiadores que estão dispostos a acelerar esse processo no Brasil?
TA: Em geral temos dois tipos de investidores de impacto. Investidores privados que acumularam grande capital ao longo de suas vidas e querem fomentar novas práticas a partir dos seus recursos. Eles já são comprometidos com isso e querem ver mais do que benefícios só para si, mas também para os outros – seja porque são altruístas, seja porque querem deixar algum legado. A motivação em si não importa, mas sim o resultado que estes investidores de impacto acabam gerando.
O outro tipo de investidor mais comum são governos e bancos de fomento, especialmente europeus e americanos, que têm desejo de financiar essa transformação tecnológica para uma economia de baixo carbono e de maior inclusão social. Aqui, de novo, as motivações reais não importam tanto, mas sim o resultado final de disponibilizar recursos mais competitivos para financiar essa transformação em formas mais sustentáveis de produção agropecuária.
Finalmente, algumas empresas de ponta também têm tido interesse em investir em suas cadeias de valor de forma a minimizar o impacto socioambiental de suas operações e, desta forma, estarem preparadas, estarem contribuindo para a solução de questões climáticas, por exemplo, e não serem também oneradas por possíveis novas leis que demandem investimentos nesse sentido em algum momento. Elas então se antecipam e buscam investir em inovações financeiras que possibilitem a sustentabilidade de suas cadeias de fornecimento sustentáveis.
E, claro, se um investidor de impacto decide oferecer financiamento mais competitivo para que essas inovações ocorram de fato, é natural que se demandem indicadores, que se estabeleçam critérios e mecanismos para monitorar, para demonstrar que esse dinheiro estará sendo usado da melhor forma. Um cidadão europeu, que paga imposto ao seu país, e esse país, que usa uma parte desses recursos para apoiar práticas sustentáveis de cultivo em países em desenvolvimento, vão cobrar mecanismos de monitoramento. Da mesma forma um investidor privado. Pense em você, ou mesmo eu. Se eu invisto meu dinheiro em alguma empresa que me diz que vai entregar melhorias produtivas, vou querer saber se meu dinheiro está de fato sendo empregado nessas melhorias que me disseram.
PC: Qual a sua mensagem final para os produtores rurais?
TA: Quando você chega nesse novo patamar, não quer mudar.
Essa nova forma de produzir gera um benefício privado, como diversificar um pouco a produção e fazê-la de forma sustentável – diversifica compradores, mas também produtos, ficando menos exposto a um único preço de commodity que o produtor não controla. Mas também coletivo, quando a gente pensa na questão climática em uma produção mais orgânica que polui menos, e acesso a investidores dispostos a darem um acesso a financiamento diferenciado com prazos mais longos para se testar e implementar essas novas técnicas a taxas mais competitivas, de acordo com os benefícios socioambientais que podem ser gerados. É um conjunto de várias pontas para entregar o melhor.
(Ao acessar financiamentos verdes) O produtor terá prazos mais longos, taxas competitivas e vai inovar na forma como usa sua terra. É um compromisso coletivo que todos fazem para mudar os rumos.