Na segunda semana de lives série Vozes Responsáveis Ao Vivo, os convidados mostraram como investidores, consumidores e produtores podem ganhar juntos, com mais diálogo e entendimento
A cidade quer um campo produtivo e cada vez mais sustentável. O produtor espera que seu trabalho seja mais reconhecido e valorizado no ambiente urbano. São anseios legítimos, de ambas as partes, e que, para muitos, parecem antagônicos. Não são. Ao contrário, estão muito mais próximos de serem complementares. Ouviu-se isso, de forma clara – embora com outras palavras – na segunda semana da série de lives VOZES RESPONSÁVEIS AO VIVO, organizada pela Produzindo Certo.
Os temas discutidos nas duas conversas virtuais tratavam justamente de dois aspectos sensíveis dessa relação entre o universo rural e os centros consumidores. “A Era das Finanças Verdes”, painel realizado na terça, 30 de março, apresentou a oportunidade de se transformar a imagem do agronegócio junto ao mercado financeiro. No dia seguinte, na live “O Agro Responsável e o Consumo Consciente”, o debate girou em torno do papel de marcas de itens de consumo na construção de pontes entre seus fornecedores, agricultores e pecuaristas, e seus clientes finais. Em ambos os casos, uma conclusão: há valor no entendimento e no conhecimento mútuo entre as duas pontas das cadeias produtivas, seja sob o olher financeiro, seja no âmbito do consumo.
Adotar práticas produtivas mais modernas e responsáveis, que ajudem a intensificar o cultivo e cuidem do meio ambiente e das pessoas compensa para o produtor e para as empresas. Essa percepção esteve presente na fala dos convidados da segunda semana de encontros da série Vozes Responsáveis em que eles buscaram reforçar essa conclusão com dados e ações concretas.
CRÉDITO E CONFIANÇA
O maior interesse de investidores brasileiros e estrangeiros pelos ativos do agronegócio brasileiro foi a tônica das apresentações da terça-feira. Fabricio Pezente, sócio-fundador da Traive Finance, reforçou sua crença no crescimento cada vez mais intenso de fontes alternativas de recursos, como a emissão de títulos verdes, para financiar as operações de produtores. No início de março, a Traive, em parceria com a Produzindo Certo e a Gaia Impacto, viabilizou a primeira emissão de CRA Verde por produtores rurais individuas, sem o suporte de um grupo empresarial. A receptividade do mercado de capitais foi tão positiva que novas emissões semelhantes estão em fase de estruturação. “Investidor não é o problema. O problema é bons ativos lá na ponta de originação. Temos um trabalho importante pra fazer em conjunto. O mercado como um todo tem que realmente se preocupar em estruturar os ativos”, completa Fabricio.
O interesse dos investidores também foi percebido pela Amaggi, que fez sua primeira emissão de Sustainability Bonds do agro em janeiro e captou US$ 750 milhões para investimentos da companhia. A oferta inicial da empresa era para a captação de US$ 500 milhões, mas a demanda dos investidores foi seis vezes superior e, assim, a empresa decidiu aumentar o valor total da operação. As quatro áreas de negócio da companhia – produção agrícola, trading, logística e navegação e uma parte de energia renovável (especialmente PCH) – foram incluídas. “Tivemos a necessidade de explicar um pouco do contexto da agricultura brasileira. De ter duas safras de uma mesma fazenda, quais os impactos disso e os benefícios. Como funciona a rastreabilidade. Uma das coisas que mais ouvimos no roadshow era do interesse de investir num agro sustentável. Foi um marco pra gente”, explicou Juliana Lopes, diretora de Sustentabilidade, Comunicação e Compliance da Amaggi.
A sopa de letrinhas dos títulos pode variar, mas os resultados são semelhantes: mais recursos para investimentos na produção mais responsável e investidores interessados em aplicar seus recursos em projetos bem estruturados que comprovem sua segurança por meio de práticas agrícolas modernas e menor risco socioambiental, consequentemente, barateando o crédito.
E o que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) está fazendo para ajudar a impulsionar esse mercado? O diretor adjunto da Secretaria de Políticas Agrícolas, José Angelo Mazzillo Junior, conta que o tema também vem ganhando destaque, com foco na definição de regras mais claras e simples para essas operações. “Se a gente quer criar um mercado confiável, precisamos entender a demanda dos investidores. E a gente tem ações efetivas e concretas: assinamos um memorando de entendimento com a Climate Bonds Initiative (organização especializada na definição de critérios para certificação das operações verdes), entregamos alguns produtos como critérios globais para agricultura e pecuária e o plano de investimentos para agricultura sustentável no Brasil. Estamos auxiliando o Banco Centro a criar um bureau de crédito rural verde, em fase de consulta pública”, aponta, reconhecendo ainda que existem pontos de melhoria e o desafio de trazer todos para o ambiente ESG (sigla em inglês que resume os critérios ambiental, social e de governança).
Ainda pequena se comparada a outros países, a emissão de títulos verdes é crescente no Brasil, com mercado atual de US$ 17 bilhões – era US$ 540 milhões há seis anos. “Diferente do resto do mundo, 41% das emissões do Brasil vêm da categoria de uso da terra, uma parcela considerável de papel e celulose e biocombustíveis. Mas a gente vê um aumento das emissões do agro e voltadas para o produtor rural. Essas operações da Amaggi e da Traive demonstram que as finanças verdes são uma realidade no Brasil e que existe um pipeline considerável para investimento voltado para o agronegócio”, avalia Leisa Souza, da CBI, que foi a mediadora do evento Vozes Responsáveis.
VÍNCULO E INSPIRAÇÃO
Se recursos financeiros devem crescer nos próximos anos, a demanda do consumidor por produtos feitos a partir de práticas ambientais adequadas e negociações justas com os fornecedores está transformando o relacionamento das grandes marcas com suas cadeias produtoras. No segundo Vozes Responsáveis da semana, a inspiração foi a linha condutora do bate-papo com gestores da Ambev, da Nespresso e da marca de calçados Vert (grife utilizada no Brasil pela francesa Veja Shoes), que ressaltaram o vínculo com os produtores rurais como um meio importante não só para garantir as boas práticas na origem de suas matérias-primas, mas também como um atributo que agrega valor às suas marcas.
Com contato com as duas pontas da cadeia, o agricultor e o consumidor final, Guilherme Amado, líder do Programa AAA de Qualidade Sustentável na Nespresso no Brasil e no Havaí, mantém equipes técnicas em contato permanente com cerca de 1.200 produtores de café no Brasil, que apoiam o programa de certificação adotado pela marca e oferece assistência aos produtores nesse processo. Para compensar o investimento nas boas práticas, a empresa paga um prêmio pelo fornecimento. “Os nossos fornecedores, a gente chama de parceiros. Para o produtor isso traz muito valor, ele tem certeza de ter uma empresa que compra o produto dele. E para a gente, garante o fornecimento constante e de qualidade do nosso café”, aponta.
A importância do agro para a produção da cerveja pode não parecer tão óbvia, mas a qualidade do cultivo da cevada, do trigo e de outros ingredientes presentes no cada vez mais diversificado portifólio de bebidas, está diretamente ligada às práticas agrícolas. A Ambev conta com uma rede de aproximadamente 5 mil fornecedores no campo e mantém um programa de relacionamento que também ajuda na sua qualificação por meio de apoio com tecnologia e a construção de pontes entre o fornecimento e o consumo.
Um bom exemplo dessa relação bem cultivada é uma iniciativa de cervejas regionais da marca. Em estados do Nordeste, a companhia lançou rótulos temáticos com ingredientes como a mandioca. Além de conferirem um sabor especial e inédito à cerveja, esses produtos motivaram um mergulho na produção local, o contato direto com famílias de agricultores e parcerias para aperfeiçoar as técnicas produtivas. O resultado foi uma relação de impacto não apenas ambiental e econômico, mas também social e cultural, e um forte vínculo entre produtores e consumidores. “A companhia elevou sua visão para um propósito que é unir as pessoas, de uma maneira super ampla, (que envolve) momentos de felicidade onde compartilham os nossos produtos, nossos parceiros, nossos funcionários, por um mundo melhor. E isso coloca todo mundo com esse mindset do impacto positivo”, conta o vice-presidente de Suprimentos e de Sustentabilidade da Ambev na América Latina, Rodrigo Figueiredo.
Boas histórias que a Vert também tem de sobra pra contar. A marca de calçados foi criada por franceses que se apaixonaram pelos atributos naturais do Brasil e alcançaram reconhecimento internacional, usada hoje por personalidades como Emma Watson e Megan Markle. A marca foi totalmente estruturada a partir da preocupação com a forma de produção de suas matérias-primas, que envolve borracha nativa, algodão agroecológico, produzidos no Acre e no semiárido nordestino respectivamente, e couro, obtido no sul do país. Para isso, mais uma vez a relação direta com o campo é essencial – e a valorização das experiências dos produtores rurais é mais um atributo de valor da marca em sua relação com os consumidores.
“Todo o trabalho é orgânico, não utiliza sementes transgênicas, não revira o solo. A gente faz pagamento por serviços socioambientais. E trabalhamos muito com a agricultura familiar, que a gente acredita que é tanto vítima desse momento que a gente vive de desigualdade, como a solução. Se capacitarmos a agricultura familiar e trouxermos tecnologia, temos como prover um produto com benefícios socioambientais”, analisa Bento Bina, responsável pela Gestão das Cadeias Produtivas da Vert.
O jornalista e sócio da AgTalk, Luiz Fernando Sá, mediador do quarto encontro do Vozes Responsáveis, também ressaltou esse aspecto de cooperação para transformar as relações. “As marcas têm construído algumas pontes importantes para que o consumidor leve as demandas para o campo. E para que o produtor também traga seus anseios e desafios. É essa busca de compreensão mútua que vai contribuir pra gente fortalecer a cadeia produtiva como um todo”.
As empresas que atuam em todos os elos das cadeias têm esse papel de unir as duas pontas. Temos um desafio enorme de levar o campo para o consumidor. Quando a gente consegue fazer esse trabalho de mão dupla, podemos catalisar os efeitos positivos do agronegócio responsável.
Para conferir todos os bate-papos, basta acessar o canal da Produzindo Certo no YouTube.