Há muito espaço para o desenvolvimento do empreendedorismo rural de impacto, aponta Márcio Sztutman, diretor do fundo britânico P4F
No Brasil desde 2018, o programa de investimentos e aceleração de negócios com foco no uso sustentável da terra e na proteção de florestas Partnerships for Forests (P4F) registra uma taxa de pelo menos 10 propostas analisadas para cada projeto aprovado para o seu portfólio de apoio.
O número aponta uma forte demanda por investimentos para negócios rurais com diferenciais socioambientais, mas também demonstra o crescimento contínuo de ideias e empreendimentos surgidos no campo e construídos a partir de uma visão de ampliada de valor: negócios que devem gerar renda aos envolvidos, mas também ajudar a solucionar desafios sociais e ambientais da região onde estão inseridos.
O Partnerships for Forests (P4F) é uma das mais ativas iniciativas que se propõem a atender a essa demanda. Vinculada ao governo do Reino Unido, financia e acelera negócios sustentáveis em países da África, da Ásia e da América Latina. Seu foco está em empreendimentos com capacidade de gerar impactos positivos em uso do solo e restauração florestal, geração de renda para comunidades e atração de investimentos do setor privado. Para selecionar as 12 propostas atuais do portfólio brasileiro, eles receberam aproximadamente 200 projetos.
Neste mês de dezembro, inicia-se a terceira e última rodada de seleção de negócios para financiamento. Produtores rurais podem submeter seus projetos no site do programa, desde que atendam a uma das quatro áreas temáticas: produtos florestais não madeireiros; economia da recuperação florestal; expansão do cultivo da soja em áreas já abertas; e intensificação da pecuária com responsabilidade.
O diretor para América Latina do programa, Marcio Sztutman, foi um dos convidados da primeira edição da série Vozes Responsáveis Ao Vivo, série de lives promovidas pela Produzindo Certo para debater assuntos de interesse do produtor rural e das empresas do agronegócio. No bate-papo com o jornalista Luiz Fernando Sá, sócio da AgTalk, ele reforçou sua crença nas boas práticas produtivas que andam de mãos dadas com a performance socioambiental, apontou as principais barreiras que negócios rurais responsáveis devem ultrapassar para ampliar seu acesso a financiamentos e deu dicas valiosas para quem busca apoio técnico e financeiro para deslanchar seu empreendimento.
“Existem recursos disponíveis, mas não acessíveis a grande parte dos interessados, para catalisar a agenda do empreendedorismo rural de impacto. Isso em função de o balanço de riscos e retorno ainda não ser atrativo o suficiente. Portanto, o primeiro ponto de aprimorar os modelos passa a ser destravar essa agenda de crédito, de acesso a capital de forma mais estruturante”, analisa Sztutman.
Entre as principais barreiras, ele cita a integração entre desenvolvimento de negócios e o conhecimento da dinâmica de uso do solo e do ambiente rural. Além de tudo, um desafio importante é a demonstração de sucesso no chão.
“A gente recebeu muitas propostas, por exemplo, do setor privado, que compreendiam bem o ambiente de negócios e as projeções financeiras, mas com impacto socioambiental, principalmente para fora da porteira, muito reduzido. Por outro lado, há uma série de propostas do terceiro setor muito bem pensadas, com engajamento comunitário, desenho cuidadoso do impacto positivo ambiental e monitoramento desses impactos. Mas com frequência, elas não paravam em pé do ponto de vista financeiro”.
Apesar dos desafios, ele está convicto sobre o potencial de negócios que cumprem o objetivo de gerar renda e emprego e ao mesmo tempo reduzem a pressão sobre florestas e melhoram meios de subsistência. “À medida que se obtém sucesso no modelo, o retorno é certo, é garantido. O mercado está demandando”.
Para além das dificuldades de empreendimentos rurais desenharem seus modelos de negócio e demonstrarem seus resultados no médio e longo prazo, Sztutman ressalta o papel do setor privado na promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Segundo ele, há potencial no mercado alternativo de financiamento, que reconhece e valoriza as boas práticas produtivas do campo.
Ele exemplifica com a produção de soja: “Existem setores interessados em financiar esse tipo de produção. Pode ser por meio da emissão de títulos, pode ser por meio de acesso a capital mais barato. (…) Na medida que você garante transparência e demonstra que teu produto cumpre um conjunto de critérios, por exemplo, o desmatamento zero, o custo de capital para os intermediários se torna mais barato, é mais viável acessar esse tipo de capital. Consegue gerar retorno financeiro não no preço do produto, mas no custo da sua produção, se tornando mais barata em arranjos de cadeia”, justifica Sztutman. “A função que o P4F tem cumprido é de aumentar o pipeline de oportunidades. Isso vai viabilizar num segundo momento a entrada maior de capital. Essa é a missão do programa. Canalizar o maior volume de recursos para essa agenda”, enfatiza.
‘Casamento fácil’ com a Produzindo Certo
O ciclo de investimentos do P4F na América Latina se estende de 2018 a 2023, período em que deve aplicar 36 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 260 milhões, ao câmbio de 30/12/2020) em três países: Brasil, Colômbia e Peru. A nova rodada, cuja seleção terá início neste mês de dezembro, deve escolher até seis novos negócios para apoio e aceleração.
A Plataforma Produzindo Certo foi uma das beneficiadas em 2019, e está utilizando o investimento e a parceria técnica para o aperfeiçoamento da plataforma digital e do seu plano de negócios.
Sztutman relembra as características da proposta que chamaram a atenção do P4F e resultaram na seleção do negócio para seu portfólio de apoio. “Tem uma série de características muito aderentes ao programa. Potencial de escalonamento grande pelo uso de plataformas digitais, o relacionamento tanto com produtores como com empresas é muito bem visto, planos técnicos de aprimoramento produtivo, aprimoramento de performance ambiental com demonstração de impacto em geografias”, afirma Sztutman.
“Eles já atuavam enquanto sociedade civil em regiões de onde se viu claramente por meio de estudos, adicionalidades ambiental e produtivas. E estavam justamente no momento buscando transacionar o seu modelo de operações de sociedade civil para uma sociedade privada, que permitiria maior alcance de escala. Achamos fantástica a proposta de valor da Produzindo Certo”, avalia ele, apontando alguns destaques que podem inspirar empreendedores que buscam apoio para ampliarem seus negócios.
Confira a íntegra do bate-papo e mais dicas para quem deseja submeter propostas para obter o apoio técnico e financeiro, em https://youtu.be/yjWZZaNhPwU
Mais opiniões de Marcio Sztutman:
- “Ainda que quem está no chão, quem está com propostas, sinta que tem ideias fantásticas, e muitas delas são mesmo, existe sim o refinamento necessário para acessar o capital para que elas decolem no nível comercial, numa escala que a gente precisa do ponto de vista de mudança transformacional no meio rural e de mudanças climáticas, de mitigação.”
- “Existe sim uma agenda de convergência possível. (…) É muito mais fácil do que muita gente imagina, na verdade. Existe um discurso inflamado por vezes pela falta de informação, pela ignorância de dados literalmente. Os exemplos estão aí. Existem muito mais empreendedores, muito mais comunidades engajadas numa agenda proativa positiva do que aqueles que buscam o conflito.”
- “O aprimoramento do modelo produtivo é central para a manutenção dos recursos naturais existentes. Na medida em que você consegue maior retorno numa melhor área, tem condições de olhar pra sua APP, pra sua Reserva Legal, aumenta a qualidade de vida sem degradar o solo. É um casamento possível, e que já ocorre.”
- “A gente fez uma série de modelagens que apontam para custos muito parecidos da expansão de soja em áreas de floresta do que expansão em áreas já abertas. Pelo custo de domesticação do solo e etc. Nesse caso, que é o foco e estratégia do programa, há necessidade de envolver mecanismos financeiros que tornem a expansão em áreas abertas mais atrativas do ponto de vista financeiro: mecanismos de crédito, remuneração, acesso a mercados mais exigentes, e daí por diante.”
- “Existe um mercado de nicho que é pequeno, que pagaria (mais por produtos de origem mais sustentável). Mas eu não vejo que esse mercado tem tamanho suficiente para alterar o modelo produtivo. (…) Um aspecto positivo das boas práticas produtivas é que andam de mãos dadas com as boas práticas socioambientais. Ou seja, uma carne produzida seguindo boas práticas, terá também provavelmente uma qualidade maior. Então é possível remunerar a boa performance ambiental por meio de um produto de maior qualidade.