Daniela Garcia, CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, quer trazer o agronegócio para o centro das discussões de sustentabilidade no país
Jornalista com mais de 25 anos de experiência, Daniela Garcia sabe o valor da comunicação. E ela quer se comunicar com o agronegócio. Atual CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, ela elegeu como uma de suas principais missões estabelecer uma ponte entre a organização – que reúne líderes de centenas de empresas com o objetivo de transformar o jeito com que negócios e investimentos são feitos no país – do segmento que representa mais de 25% do PIB nacional. E, assim, atrair lideranças dos grupos rurais para esse debate.
Um dos movimentos feitos por Daniela nesse sentido foi convidar a CEO da Produzindo Certo, Aline Locks, para integrar o conselho do Instituto. “Ela fala o idioma do agro e o agro presta atenção no que ela fala”, afirma Daniela. “É fundamental que a gente tenha um interlocutor dentro do setor para que ela possa fazer essa aproximação”.
Além do jornalismo, a executiva atuou com estratégia e posicionamento de marcas e como designer de negócios para Micro e Pequenos empreendedores. Entusiasta do terceiro setor e dos negócios de impacto social, articula parcerias com o mundo corporativo. No Instituto Capitalismo Consciente Brasil trilhou uma escalada como Coordenadora de Comunicação, Diretora de Operações, Expansão Nacional, até chegar ao principal posto executivo no Instituto.
Na entrevista a seguir, ela explica a origem do Capitalismo Consciente e discorre sobre os benefícios que podem surgir a partir de uma aproximação maior do agronegócio.
Qual a importância, para o Capitalismo Consciente, de estabelecer essa relação com o agronegócio?
O melhor é começar com a história do Capitalismo Consciente para que se possa entender o nosso posicionamento atual e o que o Instituto faz. O Capitalismo Consciente é um conceito, mas é também um movimento, uma instituição. Ele nasceu de uma pesquisa realizada em 2004 por um professor de Marketing chamado Raj Sisodia. Na ocasião, ele recebeu números de gastos de empresas americanas de capital aberto em mídia. Esse conglomerado de empresas havia gasto um total de US$ 1 trilhão em mídia. Ele ficou incomodado com esse número e questionou: por que esse grupo de empresas está gastando tanto dinheiro em marketing se a gente sabe que marketing serve para atrair clientes, mas não necessariamente para reter clientes? Qual a relação das empresas que têm uma altíssima taxa de retenção de clientes, que os clientes amam? Essas empresas estão na mídia? Fazem parte desse grupo?
Ele então mergulhou numa pesquisa para identificar esses dois ecossistemas diferentes: empresas que gastam muito em mídia e empresas que gastam pouco e têm uma relação muito fortalecida com seus colaboradores e clientes. Nesse segundo grupo, elencou 26 empresas americanas e percebeu que elas tinham quatro características em comum. Todas elas tinham um propósito maior, entendiam o motivo pelo qual elas existem, para muito além de seu produto ou serviço. Elas tinham um líder muito forte e servil, que levantava a bandeira desse propósito e que personificava no dia a dia da gestão o que é o propósito. Eram empresas orientadas para os stakeholders, ou seja, entendem a importância de todas as peças do sistema que faz a empresa funcionar — colaboradores, cadeias de fornecimento, clientes – e tratam todos eles de forma equânime. E, por último, tinham uma cultura muito forte, consciente, por esse propósito.
Isso tornava essas empresas mais fortes?
Sim. Ele avaliou essas características e interpretou a maneira de fazer essa gestão. Essa pesquisa foi revistada em 2007, por ocasião da crise do subprime (estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos, que provocou a quebra de milhares de empresas). Ele foi verificar se essas empresas que eram tão queridas e tinham essas características estavam de pé, porque aquele momento econômico derrubou muita gente. E ele percebeu que elas estavam fortes, seguras, resilientes, porque em tempos de crise os clientes compram de quem eles amam, de quem eles gostam.
Isso fortaleceu ainda mais a configuração que ele tinha pensado a respeito das empresas. Então, ele relançou seu livro sobre o tema e o John Mackey, fundador da rede de varejo Whole Foods, leu o livro e pensou: “Puxa, aqui tem a fórmula acadêmica de dizer o que eu venho fazendo no meu negócio desde que eu o fundei.
Juntos, eles lançaram o movimento Capitalismo Consciente, com o objetivo de relatar, através daquelas quatro características, que se transformam em quatro pilares, o que seria uma nova forma de gestão, orientada para as pessoas e, mais do que isso, para a sustentabilidade, o meio ambiente e o planeta, com o entendimento de que que não é mais tempo de se olhar só para os ganhos e maximizar o ganho do acionista, mas sim olhar para os stakeholders e construir relações de muito mais de valor. Eles defendiam um direcionamento para uma jornada de longevidade e prosperidade, muito mais humana, sustentável.
Desde quando o movimento existe no Brasil?
O movimento nasce em 2010. Chegamos aqui no Brasil em 2013 pelas mãos de um grupo de empresários brasileiros que estavam muito incomodados com o jeito de se fazer negócios por aqui. O instituto existe justamente para ajudar a transformar isso. O primeiro parágrafo do nosso manifesto diz que nós acreditamos que a iniciativa privada é a grande protagonista das mudanças na sociedade, da diminuição das desigualdades da sociedade. Nem organizações do terceiro setor nem governo, combinados, conseguirão fazer isso. E por que a iniciativa privada consegue? Porque ela tem portas abertas, tem capital –humano inclusive, não só financeiro. E, dessa forma, ela pode proporcionar grandes oportunidades. Mas ela precisa estar alinhada com seu propósito e entender esse capitalismo de stakeholder, em que todos os grupos que estão no entorno dela têm muita importância. Para isso, a construção de relações de valor é fundamental.
Uma empresa sempre orientada para ver oportunidades melhores para sanar dores da sociedade civil e do planeta vai, obrigatoriamente, olhar para questões do ESG de maneira geral.
E o agronegócio?
Estamos falando de inciativa privada. Entendemos que o agro é parte disso, mas a gente precisa se aproximar dele. O agro, me parece, ainda não entendeu essa relação de lucro com propósito, apesar de eu achar que é um dos setores que mais tem orientação para stakeholder que a gente tem no Brasil. No agro isso fica muito claro.
O propósito do agro, quando se fala em produzir alimentos, anergia e fibras para o mundo, parece muito claro…
Mas é a parte menos vista por ele. Quando se fala de propósito, isso não consegue sensibilizar as lideranças do agro como a gente consegue em outros segmentos. Eu não sei o motivo, não tenho essa resposta pra te dar.
A que você atribui a dificuldade que o Capitalismo Consciente teve, ao longo dos anos, em se comunicar com o agro?
Eu atribuo, a partir de algumas observações que eu tenho feito, ao fato de muitas das grandes empresas do agro ainda serem comandadas por uma geração que não está tão ligada na sustentabilidade. Acho que tem um viés de entendimento da sustentabilidade de forma geral. As novas gerações que chegam no agro já estão mais preparadas para isso tudo. Elas têm um olhar diferente. Acho também que existe uma ligação muito forte do agro com o setor governamental, por conta de leis, incentivos, isenções e até do crédito. Então me parece que existe um outro entendimento nas questões de governança, de transparência, de números. Mas são suposições minhas, não conseguiria atestar isso para você.
A gente precisa fazer o agro participar mais das discussões em torno da agenda do ESG, do negócio sustentável. Isso precisa realmente estar na mesa dos fundadores e CEOs, não só da nova geração, mas também da geração que hoje ainda está à frente.
Eu não sei se existe um olhar para as coisas de sustentabilidade muito embaralhado ou com um véu de ativista ecológico. Acho que questões de desmatamento e da propriedade rural brasileira passam por leituras muito rigorosas a respeito de leis, etc., mas isso também não é claro. Também não acho que o agro seja claro para o cidadão comum. O cidadão comum também não consegue traduzir as dificuldades que o agro brasileiro tem.
Por isso é tão importante essa interlocução?
A tradução do que é o nosso agro, o que o agro sofre, o que ele constrói, deveria ser mais exposta. Porém, a comunicação que vem do agro nem sempre é muito clara. Como a iniciativa provada pode ajudar a diminuir esse gap de entendimento entre o setor e o cidadão comum? Como pode ajudar a ampliar oportunidades, acolher diversidade, diminuir desigualdades? A gente também precisa entender do agro o que está acontecendo e como a gente pode ajudar a melhorar essas questões.
O Capitalismo Consciente se propõe a ser esse fórum de aproximação e compreensão mútua e geração de oportunidades?
Pretendemos ser um fórum de ampliação de consciência, de mindset. Todas as empresas que estão conosco querem seus líderes com visões mais amplas, com ampliação de consciência sobre o seu impacto. Nós não somos uma agência certificadora e nem uma agência reguladora. A gente não acredita na certificação de consciência de um CNPJ, mas sim na melhoria da pessoa física que está à frente dos negócios. Acreditamos que líderes melhor preparados e com consciência do seu impacto geram impacto mais positivo, se comprometem a questionar mais as suas ações, a pensar no longo prazo, a olhar seus stakeholders de uma forma diferente. Só esse comprometimento já faz com que essa interlocução aconteça. Sim, estamos de braços abertos para receber toda e qualquer empresa de qualquer setor, incluindo agro, para falar: “vamos olhar para as suas lideranças e entregar para eles o que de melhor eles precisam saber para gerar o impacto positivo”.
Que tipo de discussão o agro pode nos ajudar a levantar sobre aquilo que é desigual, sobre aquilo que precisa ficar transparente para a população? O que o agro pode nos entregar de coisas maravilhosas que ele constrói, que não chegam na ponta final do consumidor e que a gente poderia expor? Quais são os grandes exemplos do agro que a gente tem? Eu tenho certeza que temos, mas a gente precisa de gente que queira mostrar os grandes exemplos para que possamos colocar na vitrine.
O Rony Meisler (fundador do grupo Reserva), que é um dos nossos presidentes, fala: “Palavras movem, mas os exemplos arrastam”. Se o agro tem coisas boas, vamos mostrar. E se precisa de ajuda, vamos ajudar.
Você acredita que o momento é mais propício para essa aproximação? Afinal, o agro está passando por um processo de revisão de conceitos e a agenda ESG entrou definitivamente na agenda do setor. Há uma pressão do consumidor e do mercado como um todo…
Sim. Por exemplo, as questões de governança são fundamentais. Na carne, questões de rastreabilidade. A gente fala de tecnologia, precisamos mostrar isso tudo. As questões do S, das contratações de pessoal, da certificação das cadeias de fornecimento, da qualidade dos insumos que são comprados, a transparência da produção desses insumos. Tudo isso é muito importante. Onde entra a economia circular? A gente precisa ver isso. O Brasil é um país enorme, é o celeiro do mundo. Estamos em um momento em que o Brasil pode ser protagonista de uma agenda mais verde em tudo o que se fala.
Muitos dos setores já representados no Capitalismo Consciente têm uma relação direta com o agro. Você citou o Rony, cuja empresa tem como principal matéria prima o algodão. Ele tem um impacto sobre a cadeia, uma visão específica sobre ela…
Temos a Klabin, que produz papel e celulose, temos startups e empresas que possuem fazendas, produzem café…
E por que essas empresas não conseguiram, até agora, fazer essa ponte como agro?
Porque não estamos falando com as grandes empresas de produção agrícola ou as grandes de insumos. A gente não tem aproximação nenhuma com elas. É a alta liderança que decide por estar ou não no Instituto. E essa alta liderança que a gente encontra está numa geração que ainda não se atentou para a importância da agenda da sustentabilidade. Acho que existe uma barreira a ser superada.
Como a presença de uma empresa como a Produzindo Certo, na pessoa da sua CEO, Aline Locks, no conselho do CC pode contribuir nessa superação?
Desmistificando o Capitalismo Consciente para essa categoria, para esse setor. É fundamental que ela esteja conosco porque ela deixa o conceito mais transparente para o agro e se torna uma porta aberta para quem quer conhecer mais. Ela fala o idioma do agro e o agro presta atenção no que ela fala. Ela já é uma pessoa completamente orientada para essa agenda ESG, fala sobre produzir de forma mais adequada, sobre encurtar caminhos com uso de tecnologia, com olhar de sustentabilidade, com olhar social e de meio ambiente. É fundamental que a gente tenha um interlocutor dentro do setor para que ela possa fazer essa aproximação. Ela é exatamente a ponte que a gente gostaria de ter. E temos a honra agora de tê-la conosco.
Uma das questões de que o agro se ressente é a de que o investimento feito para se adequar às exigências da lei e, ainda maiores, do mercado, não é devidamente valorizado por esse mesmo mercado. O comprador de soja que muitas vezes busca um produto certificado não quer pagar um prêmio em relação ao produto sem certificação. Existe uma visão, dentro do Instituto, de que é possível valorizar essa produção responsável?
Acho que é perfeitamente possível e gostaria que acontecesse cada vez mais. Mas é importante que, independentemente disso, os líderes do agro entendam que trabalhar com esse mote da certificação, da melhora da cadeia, é uma decisão com reflexos de médio e longo prazos, e não de curto prazo. Trata-se do entendimento dele de que isso é valor.
E quando falamos de valor, volto à questão da comunicação, porque eu acho muito importante. O agro está muito pouco acostumado a falar dos resultados para o consumidor final. Numa era em que se olha a reputação das marcas e os consumidores falam pelas marcas, o agro tem pouca voz porque falta informação. É muito relevante que o agro comece a mostrar o que vem fazendo, para que ele envolva todos os stakeholders na sua comunicação. E, ao envolver todo mundo, ele consiga diminuir gaps de entendimento, melhorar a visão sobre o setor. Ao invés de ressentir por não ter um reflexo imediato, deve contar o valor que você acredita ter para que os outros também o percebam. É preciso atentar para o momento, que exige mudar o mindset, comunicar bem o que já está sendo feito e que é muito bom e fazer com que as lideranças se aproximem dessa agenda que é tão necessária para as pessoas e para o planeta.