Liderança no meio rural, Dulce Ciochetta, do Grupo Morena, impulsiona o protagonismo da mulher e promove práticas sustentáveis no campo
“Já matei tantas abelhas. Agora não quero mais, entendi que elas são importantes”. O depoimento que Dulce Ciochetta ouviu em uma das reuniões do Fórum Sentinelas que tratou sobre o papel das abelhas no mundo resume bem a importância do conhecimento para transformar práticas no campo e na vida das comunidades.
O projeto Sentinelas da Terra que ela criou no Grupo Morena envolve encontros de formação e fórum de debates para tratar de temas importantes para quem vive da terra oferecido aos 62 colaboradores da empresa e suas famílias, além de parceiros como fornecedores e clientes. Recentemente, ela criou o Desafio Sentinela que incentiva os trabalhadores a colocarem em prática novas ideias. As melhores são testadas na propriedade durante um ano. E os autores, reconhecidos pela iniciativa.
“É um projeto simples, pequeno, mas tem um envolvimento muito grande. A gente viu que poderia usar o nosso negócio como veículo para instituir boas ações. As pessoas percebem que são integrantes. A gente vê trabalhadores mais felizes, menos acidentes. Você consegue um ambiente diferente de trabalho”, ensina.
Quando ela começou a assumir a administração do negócio que conduz ao lado do marido, percebeu a transformação pela qual o meio rural estava passando e viu os desafios crescerem diante de si. “Não precisava mais só cumprir o que as leis determinavam. Tem que começar a reaprender algumas coisas. Precisei buscar muita informação”, relembra. Sua formação como educadora facilitou esse processo, somada a uma habilidade nata para o diálogo e o relacionamento pessoal, que ela aponta como características femininas que agregam valor ao negócio.
“A mulher é mais cooperativa do que competitiva, mais agregadora, um olhar mais apurado para os recursos humanos. Sabemos lidar com tranquilidade com a diversidade – e essas características têm servido de força inspiradora e impulsionadora para as nossas coligadas melhorarem essas situações”, comenta a empresária.
Administradora do Grupo Morena, Dulce é uma liderança no meio rural, reconhecida por impulsionar não apenas a voz das mulheres no campo, mas também fomentar a adoção de práticas sustentáveis no agronegócio. Em 2018, ela recebeu o Prêmio Mulheres do Agro e, neste ano, se tornou embaixadora da premiação, oferecida pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e pela Bayer.
A importância da educação para a sustentabilidade, da comunicação para aproximar quem vive distante do campo e os aprendizados com a participação na Plataforma Produzindo Certo foram outros temas abordados por ela na live realizada no canal da Produzindo Certo no Instagram, durante a primeira edição da série Vozes Responsáveis.
Interdependência entre a cidade e o campo
Além do trabalho de educação com os próprios colaboradores, Dulce integra o Movimento Agroligadas, grupo de mulheres formado em 2018 e que pretende construir pontes entre o campo e a cidade. Empatia é uma boa palavra para definir a abordagem dessas mulheres no desenvolvimento de conhecimento, sobretudo apoiado em ações de comunicação e educação. Com uma rede de quase 400 mulheres em 30 municípios e cinco estados, elas querem reestabelecer as conexões e demonstrar a interdependência entre o rural e o urbano.
A Agroligadas ainda reúne informações técnicas, seguras e atualizadas de diferentes cadeias do agro para servir como fonte de conhecimento e referência, busca espaço em eventos do agronegócio em todo o país e tem uma agenda de aproximação com instituições representativas da sociedade civil para debates públicos e articulação entre entidades e organizações de diferentes esferas do poder público.
“Temos programas de rádio, palestras, eventos, educação. (Queremos) Fazer com que as pessoas da cidade se coloquem no lugar do homem do campo. Isso ficou tão distante, muitas vezes não é por culta de quem mora lá em São Paulo. É porque não tem conhecimento e a informação que recebe é cheia de achismos ou ideologias. Nosso maior propósito, legado, é que a gente melhore as relações humanas através da comunicação”, justifica.
Na pandemia, as ações presenciais foram substituídas por outras ferramentas, como um programa de rádio, transmitido por uma emissora de Cuiabá (MT).
Vivência do Grupo Morena com a Produzindo Certo
A sustentabilidade pode e deve ser desmitificada. Ela pode ter início na solução de problemas do campo, virar projeto e se transformar em propósito. Essa foi a trajetória de Dulce, que contou com o apoio da Produzindo Certo.
A empresária diz que aprendeu muito desde que ingressou na plataforma da Produzindo Certo. “Fez a gente começar a pensar diferente, dar os primeiros passos da sustentabilidade, fazer além do que a lei exigia”, ela conta, indicando a relevância dos diagnósticos socioambientais.
Junto com a assistência técnica, esse material ajudou a indicar os temas que precisavam ser mais bem trabalhados na fazenda. Entre todos os benefícios, ela chama a atenção para a mudança de mentalidade. “(Eles) Se apresentavam pra gente em um momento difícil do agro. Com agricultores taxados dos piores adjetivos. Muitos só recebiam multas. Indicavam e sugeriam situações de melhoria para o nosso negócio”, afirma.
Hoje, as propriedades do Grupo Morena adotam a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e percebem os benefícios de práticas agrícolas mais intensivas e com maior respeito ao meio ambiente e às pessoas. A qualidade do solo aumentou e a produtividade cresceu. Um de seus projetos mais conhecidos, o sistema de captação da água da chuva, implementados há 10 anos, foi ampliado e o recebeu prêmios. Hoje, 200 milhões de litros de água são captados e reutilizados na pulverização e na lavagem de maquinários.
O próximo desafio do grupo é alcançar o selo de Empresa B, certificação internacional que comprova o atendimento a padrões rigorosos socioambientais, de governança e transparência. “Se pensar sustentabilidade apenas em retorno financeiro, ele não vai acontecer. Tem que ser sempre no longo prazo. Se olhar no retrovisor, não tenho futuro”, conclui.
Assista à integra da live com Dulce Ciochetta:
O que pensa Dulce Ciochetta, sócia-fundadora e administradora do Grupo Morena
“A gente percebeu que não precisava nem ser grande nem ser ONG para fazer o bem. A gente podia usar o nosso negócio como veículo para instituir, para implantar boas ações. E não precisava também ser ações grandiosas. Muitas vezes a gente acha que só é importante se for grande, se for muito divulgado, se for muito caro, se não não é relevante, não é importante”.
“Para chegar nesse processo de se fazer algo a mais, você passa por uma transformação. Você tem de começar a reaprender algumas coisas que até então não estavam no teu discurso ou no teu metiê de gestão”.
“Nos desapegamos de alguns conceitos antigo, como achar que isso é obrigação do governo, ou se meu vizinho não faz, por que vou fazer? (…) A partir do momento em que você muda sua mentalidade, entende que pode fazer mais e melhor”.
“As pessoas pensam que a sustentabilidade tem que estar atrelada a lucro. Isso não é verdade. Muitas veses perguntavam para a gente: ‘O que vocês ganham com isso?’ Financeiramente, a gente não ganha nada.”
“Sempre que a gente instalou alguma coisa, implantou algum projeto, o objetivo foi a melhoria dos processos e a solução dos problemas.”
“A jornada da sustentabilidade não é tão simples, tão fácil. Ela é cheia de altos e baixos, cheia de riscos. Às vezes ela é desanimadora. Mas a partir do momento que você tem aquilo como propósito, não tem nada que te desestimule. Você vai em frente”.
“O maior desafio ainda é a mudança cultural. Você precisa acreditar realmente naquilo que está fazendo, porque você só vai conseguir a mudança através das pessoas. Se as pessoas não mudarem essas ideias antigas, elas não vão acreditar e aquilo não vai ter retorno nenhum”.
“O retorno do que você se propõe a fazer muitas vezes não é mensurável. Você não consegue medir, de repente, o quanto você inspirou, o quanto gerou de conhecimento, o quanto mudou o pensamento de uma pessoa. E quando você não consegue mensurar, é difícil fazer com que outra pessoa entenda que nem tudo na vida é dinheiro, é lucro, é rentabilidade”.
“As mulheres sempre estiveram presentes no agronegócio. No entanto, elas não tinham espaço, vez e voz”.
“O agricultor ficou muito preocupado em produzir e preservar, mas não ficou preocupado em promover o que ele fazia. A Aliança da Terra (hoje Produzindo Certo) enxergou isso lá atrás. Quando vinha com essas sugestões e começou a mostrar para o Brasil e pro mundo o que o agricultor faz”.
“O agricultor — ou o empresário, em geral — tem responsabilidade naquilo que ele produz, naquilo que ele entrega. Mas ele também tem responsabilidade com a forma que ele produz e entrega e tem responsabilidade de quem ele compra e de quem ele vende”.
“Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar. O conhecimento, da informação, da melhoria dos processos, da otimização dos recursos é o que a gente tem buscado ao longo desses anos”.
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