Para John Carter, fundador da Aliança da Terra e idealizador da Produzindo Certo, é preciso redefinir o sentido da palavra sustentabilidade e reconhecer o esforço do produtor rural que produz responsavelmente
O fazendeiro John Carter criou a Aliança da Terra com outros proprietários de terra do do Mato Grosso há 16 anos para provar que os produtores não são os principais responsáveis pela devastação da floresta. Fez isso construindo um sistema de diagnóstico socioambiental das fazendas, assistência técnica a agricultores e pecuaristas nas adequações necessárias e uma ferramenta de dados e verificação que comprova com evidências a produção responsável.
O trabalho iniciou com os proprietários rurais do leste mato-grossense e se expandiu para as cinco regiões do Brasil, além de iniciativas no Paraguai, na Colômbia e no México. E o sistema de informações pensado por John Carter, um norte-americano que se apaixonou pelo Brasil na década de 1990 e escolheu a região para viver com a esposa brasileira, é hoje uma plataforma de dados que monitora mais de 1.500 propriedades e 5,6 milhões de hectares de terra. A ONG Aliança da Terra deu origem à Produzindo Certo, empresa que auxilia produtores a evoluírem continuamente sua gestão socioambiental e atende empresas como Unilever, ADM, Grupo Pão de Açúcar, Carrefour e Bayer no desafio de promover uma transformação em suas cadeias de fornecimento. Com o trabalho, já evitou a emissão de mais de 1,5 bilhão de toneladas de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. “Com o banco de dados que temos hoje, sabemos quais ações são necessárias para atingir problemas. Isso vira uma ferramenta da fazenda para chegar à legalidade”, explica.
Acompanhe a seguir a entrevista com Carter e sua análise sobre os desafios do agro brasileiro.
Produzindo Certo: A Aliança da Terra foi formada por iniciativa de produtores rurais ressentidos da falta de apoio e orientação para adaptação à legislação ambiental e desafios no campo. Você pode contar um pouco mais sobre como foi o início dos trabalhos?
John Carter: A gente via que o que era dito na imprensa internacional não batia com o que víamos no chão. O produtor era alvo de ataques. Tivemos uma atitude proativa, de reunir as pessoas em volta, fiz amizades com muitos pecuaristas e agricultores na região. Tinha gente séria na região e a ilegalidade de assentamentos de invasores, grilagem de terras e etc. Queríamos unir as pessoas do campo e provar que estávamos fazendo a coisa certa, via transparência e objetividade. Entre 1996 e 2001, organizações, principalmente ONGs, prometiam mecanismos financeiros para quem estava mantendo floresta em pé. Iniciamos a Aliança da Terra em 2004, com parceiros científicos fazendo avaliações em propriedades vinculadas à Aliança. A promessa era de que esses dados poderiam colocar a gente na frente na questão de carbono e de pagamentos por serviços ambientais.
Desde a primeira assembleia da Aliança, em 28 de agosto de 2004, crescemos do leste do Mato Grosso para vários estados brasileiros, além de Paraguai, Colômbia e México. Aumentamos nossos resultados enquanto as promessas de pagamento pelos serviços ambientais nunca apareceram. Isso começou a criar mal-estar. Vimos que a solução não era no mundo das ONGs, era no lado produtivo, no setor privado, na cadeia agrícola, e assim viramos empresa.
Hoje temos parcerias com as empresas do setor para abrir mercado para quem está fazendo a coisa certa. E também criar instrumentos econômicos, criar incentivos para quem continuar a fazer o certo. Demos uma opção para as empresas que estão buscando soluções de desenvolvimento sustentável enquanto a gente cuida dos dados do produtor.
PC: Você acha que as ONGs não conhecem a realidade do produtor?
Carter: As ONGs não têm conhecimento do chão nem do lado produtivo. Não têm as condições de entregar soluções para o setor. E a Aliança entra na realidade de baixo pra cima, com o produtor mesmo. Temos o know-how para preparar a fazenda muito além do que a lei exige. E dar essa assistência técnica ao produtor.
Com o banco de dados que temos hoje, sabemos quais ações são necessárias para atingir problemas. Isso vira uma ferramenta da fazenda para chegar à legalidade. O grande ganho de ingressar na Plataforma Produzindo Certo é saber que eles estão fazendo o máximo possível. É um seguro de vida.
PC: Qual a importância desse novo momento, com o surgimento da Produzindo Certo como empresa? Quais os principais benefícios que essa mudança pode trazer para empresas e produtores?
Carter: Pensamos em virar empresa desde 2010, 2011. Já tínhamos 11 anos de promessas de compensação com recursos via carbono ou outros mecanismos. Mas não fizeram nada. Ficou óbvio que o futuro da gente era onde estava crescendo a receita.
Queremos aumentar o número de empresas para um volume de escala que possa afetar o mercado e enfim criar incentivos reais para quem está produzindo certo. É preciso recompensar o não uso de uma boa parte da fazenda, que pode variar de20% até 80% de toda a terra, dependendo do bioma onde fica a propriedade.
PC: Você acha que as green bonds podem ajudar a financiar esse trabalho da Produzindo Certo?
Carter: Iniciamos uma tentativa nos EUA e na Europa, ainda não temos resposta. Tem uma chance sim, mas é raro ver isso vai caindo para o chão, para aumentar a renda do produtor.
O governo quer privatizar o programa de carbono (conhecido pela sigla REDD). Eu aprovo, acho que tira de certa forma o risco da corrupção. Se conseguir implementar isso, a plataforma seria uma ferramenta muito importante para avaliar todo o processo. Para garantir que a mata está em pé no dia a dia, durante o ano.
PC: O grande desafio é ainda encontrar instrumentos para socializar os custos da proteção ambiental?
Carter: É a única saída. A maioria das fazendas vive de financiamento ano a ano. Nos anos bons, os produtores conseguem quitar o financiamento dos últimos cinco anos, mas não sai com ouro no bolso. Os anos bons pagam o passado e nunca se sai desse buraco. É um mecanismo de escravidão de dívidas. Dentro das empresas tem gente que veio do setor, que tem coração, que tem consciência e está optando pela Produzindo Certo para realmente ajudar o produtor. É só o que pedimos. Uma tentativa honesta, e em tempo, para proteger o meio ambiente e evitar danos. Porque o fogo não tem dono. Depois que pulou a cerca vai queimando por dois ou três meses. Sinceramente, sem a Brigada (Brigada de Incêndio da Aliança da Terra, criada por Carter em 2009), nossa região não teria solução.
PC: Quais suas expectativas para o futuro da Produzindo Certo?
Carter: Queremos aumentar a base de clientes e fazendas e somar outras commodities. Além de grãos e carne, já temos suco de laranja, tabaco e café. É para criar uma marca brasileira que quer resolver o problema. Tomar conta desse vácuo no mercado e começar a redefinir sustentabilidade em termos práticos.
Empresas como Bayer, Unilever e Santander viram a plataforma como ferramenta de gestão de risco socioambiental. Por meio da Produzindo Certo podem ter a certeza de que a coisa está acontecendo no chão.
PC: Como você avalia o nível de conscientização das empresas em relação ao trabalho do produtor e das dificuldades para se adequarem às melhores práticas socioambientais?
Carter: De certa forma, elas assumiram o risco de trabalhar com a gente. O nosso serviço vai mostrar as falhas no próprio sistema de desenvolvimento sustentável. Eles precisam de resultados para blindar as empresas, assim como o produtor precisa blindar a sua produção. Achamos uma parceria, é a única saída que temos.
Não tenho dúvidas de que vamos chegar no futuro a uma solução econômica. Nesse caso, quem está assumindo maiores riscos são os produtores. Se eles não cumprirem o que pedimos, não temos nada para mostrar.
PC: As empresas estão mais abertas hoje a reconhecer e valorizar o esforço de quem produz de forma responsável?
Carter: Elas não têm interesse em soltar a margem, em pagar a mais pelo serviço ambiental. Do nosso lado, queremos resolver o problema para o agricultor trabalhar com sossego, sem ser atacado por ONGs, mídia e governo. O grande ganho é que criamos valor econômico em cima das ações feitas no chão. Essas empresas pagam para o produtor ingressar no sistema da Produzindo Certo. Já é um ganho, pois o produtor ingressa na plataforma sem desembolsar valor financeiro, cumpre a lei e mantém acesso ao mercado.
PC: Os incêndios florestais voltaram a crescer, especialmente na Amazônia e no Pantanal. Na sua avaliação, o que falta para que essa questão seja controlada?
Carter: Nos últimos 20 anos era muito pior. A prova é que criamos a Brigada de Incêndio Aliança, em 2009, para atacar incêndios em áreas privadas. E hoje a gente quase não atua mais em áreas privadas, porque ninguém está queimando mais. O fogo está vindo de áreas de conservação, parques estaduais e federais, e áreas indígenas. Dessas áreas criadas para conservação, mas sem infraestrutura de gestão. Não é justo ficar culpando o produtor. A Aliança da Terra criou essa capacidade para dar apoio para o setor e realmente resolver o seu problema.
Sabíamos que esse ano iria queimar, e que talvez seria pior do que no ano passado. Hoje, onde a Brigada Aliança atua o fogo está controlado: Parque Indígena do Xingu, Parque Estadual da Serra Azul, Barra do Garças e nove unidades de conservação em Goiás. Com pouco dinheiro, e um desejo de resolver o problema, você resolve.
PC: Como a Brigada de Incêndio Aliança tem se preparado para combater os incêndios?
Carter: Os membros da Brigada são os mais avançados profissionais na Amazônia. A prevenção é simples, a gente faz na época das chuvas. No combate aos incêndios contamos com a ajuda de índios no Alto Xingu, por exemplo, treinados por nossos brigadistas. Treinamos voluntários e lideramos voluntários no campo para apagar o fogo. Em 11 anos, apagamos quase 460 incêndios enormes em Mato Grosso e Goiás.
A UFMG fez duas pesquisas analisando o impacto da Brigada e mostrou uma queda enorme de registro de fogo nas fazendas da Plataforma Produzindo Certo. Quase 96% de queda. Então, temos os dados para mostrar que temos uma solução em mãos.
O atual governo está tentando recursos para aumentar a atuação da nossa Brigada na Amazônia, em todas as áreas indígenas. Já sentei com eles três vezes em Brasília. Eles têm interesse em resolver o problema.
PC: Você é um crítico do uso indiscriminado da palavra sustentabilidade. Por quê?
Carter: Quem fez a definição de sustentabilidade é quem está no poder. E não é uma coisa estática, sempre aumentam a demanda. Mas eles não têm como mostrar serviço com o nível de transparência que convença o público de que realmente funciona.
Aumentam o custo do setor. As grandes empresas conseguem custear essa despesa. Mas os pequenos e médios não, e estão sempre com a fazenda no vermelho. Em 20 ou 30 anos, os pequenos vão sendo limpos do prato e quem vai ficar com o bolo são os grandes.
A nossa plataforma mostra todo o serviço feito na fazenda. E é fácil ampliar isso. Se tivessem interesse em ampliar isso e apoiar o produtor nessa briga, a gente iria resolver o problema da Amazônia na questão das terras privadas.
PC: Qual é a sua definição para desenvolvimento sustentável/produção responsável?
Carter: Nosso papel é redefinir sustentabilidade, como estamos fazendo. Em que você pode apertar com os dedos todos os resultados criados via plataforma – e mostrar o custo disso. A briga cabe no dinheiro. Estamos criando mecanismos para definir quanto custa para entregar desenvolvimento sustentável na prática. Nosso papel é fazer isso e usar como alavanca de negociação.
O mercado não está pagando esse custo. Tudo cabe no prato do produtor. E não vamos conseguir resolver o problema se eles não entrarem como parceiros nessa briga. As empresas que se tornaram parceiras da Produzindo Certo querem cuidar do seu lucro, mas também querem encontrar uma solução. Eles estão tentando, dentro dos parâmetros das empresas, ajudar a chegar a um equilíbrio.