Projeto reúne traders globais e governo estadual por produção responsável de soja no Mato Grosso
Resolver o problema do desmatamento ilegal, que degrada fauna e flora especialmente na Amazônia e no Cerrado, é uma tarefa que requer o envolvimento de uma extensa cadeia de valor. Esse desafio envolve desde os produtores rurais, passando pelas empresas processadoras, traders globais, governos, reguladores locais, regionais e internacionais e organizações da sociedade civil até chegar ao consumidor final, cada vez mais atento e preocupado com a origem e os impactos do que consome.
Por isso, a colaboração intersetorial, as parcerias público-privadas e o envolvimento da sociedade civil devem ser estimulados e incentivados na busca de soluções que equilibrem os desafios socioambientais e a importância da agropecuária para a economia brasileira e para as comunidades rurais.
É exemplo desse esforço conjunto uma parceria internacional que envolve as seis principais traders globais de soja, reunidas no Soft Commodities Forum (SCF), o governo do Estado do Mato Grosso por meio do Instituto PCI, o Environmental Defense Fund (EDF) e a Produzindo Certo para ampliar a produção responsável na região.
O Instituo PCI (Produzir, Conservar e Incluir), lançado pelo governo mato-grossense em 2015 durante a Convenção do Clima de Paris (COP 21) como parte da agenda de desenvolvimento sustentável da região, se encarregou de reunir todos esses atores. O SCF é uma plataforma global vinculada ao World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) para endereçar ações que deem conta de desafios comuns da cadeia produtiva do agro. O objetivo é criar um sistema alimentar mais seguro e sustentável. Fazem parte do SCF as empresas: ADM, Bunge, Cargill, COFCO International, Glencore Agriculture e Louis Dreyfus Company.
Baseada no profundo conhecimento do campo e no relacionamento construído com os agropecuaristas, a Produzindo Certo foi escolhida para fazer o contato direto com os produtores, o diagnóstico socioambiental e orientar a execução dos planos de ação definidos. Além da inclusão de produtores agrícolas à Plataforma da Produzindo Certo, o projeto prevê a análise da performance dos dois municípios prioritários selecionados para o projeto e a criação de uma rede local para reforçar as estratégias municipais (leia mais no texto “Rede de governanças locais”, abaixo).
“O PCI foi criado a partir da premissa de que o governo não consegue fazer tudo sozinho. Conectamos público e privado, buscamos alinhar as estratégias corporativas e a necessidade estadual sob um aspecto inovador, de atuar na cadeia dos produtores com um olhar territorial do município e uma estratégia maior no estado do Mato Grosso. Temos uma governança organizada, planos e metas de médio e longo prazo”, explica o diretor executivo do Instituto PCI, Fernando Sampaio.
Os dois municípios mato-grossenses selecionados para a iniciativa foram: Campos de Júlio e Planalto da Serra. A primeira fase do trabalho ocorrerá nos próximos seis meses, com a seleção dos produtores rurais. Serão 50 propriedades mapeadas que vão receber seu diagnóstico socioambiental e orientações para elaborarem planos de ação de melhorias. Elas também serão integradas à Plataforma Produzindo Certo, que já soma mais de 1,5 mil fazendas sob monitoramento.
O foco desse trabalho será nos pequenos e médios estabelecimentos rurais, de até 15 módulos fiscais. “Esse é um público quase invisível, que recebe pouca atenção ou projetos específicos para a sua realidade. Ele não é tão pequeno para ser inserido em programas de governo e em geral são carentes de soluções de assistência técnica, especialmente em sustentabilidade”, avalia o diretor de operações da Produzindo Certo, Charton Locks.
Inicialmente previstas para ocorrer até o fim de 2020, as avaliações serão concluídas nos primeiros meses de 2021, em função das medidas de segurança em relação a Covid-19. O questionário desenvolvido pela Produzindo Certo, juntamente com os parceiros do projeto, vai capturar percepções críticas e desafios que os produtores enfrentam. As equipes usarão esse conhecimento para desenvolver um plano de ação para produção sustentável nos dois municípios, considerando uma abordagem de paisagem (landscape approach) e incluindo todas as cadeias produtivas do território, como pecuária e a agricultura familiar. Os proprietários também vão se comprometer a implementar medidas de adequações em suas terras.
Empresas se aproximam do campo de soja
O SCF definiu os locais para ancorar as ações a partir de um estudo que apontou as principais regiões produtoras de soja próximas a áreas sob pressão de desmatamento – além dos dois municípios do MT, áreas vinculadas à região do Matopiba (municípios agrícolas localizados entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) também foram apontadas como alvo e outra parceria foi formada para atuação naquela região.
Para Charton Locks, o esforço das empresas em superar barreiras concorrenciais para tratar de um desafio comum ajuda a promover um ambiente de baixo risco para todo o setor da soja e deve gerar impactos positivos também na imagem do agronegócio. Ele chama a atenção para a necessidade de apoio ao produtor rural para que ele possa se desenvolver e aplicar as melhores práticas. As adequações aumentam os custos de quem vive do campo, mas os benefícios se materializam em toda a cadeia produtiva da soja. Assim como os efeitos positivos, os custos devem ser compartilhados por todo esse ecossistema. “Todos precisam de uma cadeia de fornecedores sustentável e verificada. Com isso também conseguimos atendê-las de maneira menos custosa. Todos vão se beneficiar dos resultados”, avalia.
“O Soft Commodities Forum é uma plataforma pré-competitiva, na qual o agronegócio se une para encontrar soluções comuns. O engajamento em Mato Grosso, e os conhecimentos e percepções que o grupo será capaz de reunir a partir de conversas com produtores e do mapeamento dos principais fatores de desmatamento serão usados para informar as ações e compromissos coletivos do SCF no Cerrado daqui para frente”, afirma Nicoletta Pavese, líder da WBCSD e porta-voz do SCF. “A avaliação em nível municipal também permitirá ao SCF identificar outros parceiros ao longo da cadeia de valor e os envolver no desenvolvimento e execução de ações específicas”. Sobre o trabalho da Produzindo Certo, ela complementa: “Para o SCF, é importante colaborar e apoiar parceiros que tenham um bom conhecimento das condições locais, bem como a confiança e o interesse dos produtores. A Produzindo Certo tem um histórico de trabalho bem-sucedido com produtores e com o setor privado, construindo uma ponte importante entre esses dois grupos de partes interessadas críticas”.
Também é objetivo do trabalho construir um modelo que possa ser replicado em outras regiões do Mato Grosso, aponta Fernando Sampaio. O banco de dados com as informações das fazendas e dos municípios vai ajudar a avaliar o progresso. “A ideia é facilitar o monitoramento e controle de indicadores e demonstrar, com evidências, os resultados dessa abordagem de território. Temos uma série de outras iniciativas sendo realizadas no estado, com o apoio de diferentes parceiros nacionais e internacionais. Por meio da PCI definimos governança, planos e metas e estamos convergindo as iniciativas para as prioridades definidas na estratégia”.
A partir desses resultados, a segunda fase do projeto, ainda em desenvolvimento, pretende envolver investimentos de outros instrumentos financeiros e focar na execução dos planos de ação construídos com os agricultores, na redução de desmatamento e na manutenção da governança local, com engajamento permanente das principais partes interessadas.
A identificação e o envolvimento de novos atores da cadeia também fazem parte da estratégia do SCF para que os resultados sejam contínuos e possam gerar cada vez mais impactos. “O SCF terá um papel ativo na identificação e envolvimento de parceiros adicionais para apoiar a implementação bem-sucedida do plano de ação. Trazer mais parceiros será fundamental não apenas para garantir uma abordagem mais ampla da cadeia de valor, mas também para apoiar o investimento necessário para gerar impacto em escala”, reforça Nicoletta Pavese.
Redes de governança locais
Localizados em lados opostos na geografia do Mato Grosso, os municípios de Campos de Júlio, mais a oeste, e Planalto da Serra, ao leste, contam com ocupação relativamente recente, podendo ser considerados fronteiras agrícolas internas no Estado, com crescimento principalmente na produção de soja nos últimos anos.
Além do contato direto com os 50 produtores, o projeto prevê a construção de redes de governança local para cada município. Elas se formarão a partir da articulação e diálogo com lideranças regionais, em diferentes níveis, como governos, entidades de produtores, empresas e outros. Essa colaboração ajudará na identificação das causas locais de desmatamento e de mudanças no uso da terra, com benefícios para o cumprimento do Código Florestal, a redução do desmatamento ilegal e a identificação de áreas de pastagens degradas que servirão para a expansão sustentável da produção de soja.
A articulação também vai contribuir para aplicar em âmbito municipal as metas e planos do estado da estratégia PCI (Produzir, Conservar e Incluir). “Vamos gerar informação e criar um ambiente de investimento no município. Olharemos para o todo, levantando os fatores críticos em cada localidade, envolvendo toda a cadeia produtiva da agropecuária, mas também ocorrência de dificuldades como ocupações irregulares e grilagem de terras, por exemplo. Ao identificar essas tendências, podemos definir estratégias municipais mais eficazes”, explica Richard Eilers Smith, consultor da EDF (Environmental Defense Fund).