Pouco mais de um ano atrás, saudamos aqui, em artigo da série Notícias Responsáveis, a inédita indicação, no Plano Safra 2023/2024, de que os produtores responsáveis poderiam pleitear descontos nas taxas de juros nas linhas oficiais por adotarem práticas sustentáveis em suas propriedades.
O novo plano anunciado há poucos dias, com a previsão de recursos para a safra 2024/2025, volta a trazer essa expectativa, que, infelizmente, não se realizou no ciclo encerrado. A pergunta que se faz, agora, é: será diferente desta vez?
Novamente aparece nos anúncios do governo federal o aceno de linhas de crédito para financiar a agricultura de baixo carbono, com a possibilidade de corte de até um ponto percentual nas taxas de juros para quem estiver implementando algumas das práticas listadas – que vão do plantio direto ao uso de bioinsumos.
No total, o Plano Safra reserva R$ 7,68 bilhões para três linhas do Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro), cerca de 10% acima dos R$ 6,9 bilhões anunciados no ano passado.
O problema é que a intenção precisa ser materializada e, mais do que isso, estar ao alcance de um grande número de produtores rurais. Não foi o que aconteceu na edição anterior do Plano Safra, e não por falta de produtores elegíveis a esses descontos.
No que depende da iniciativa privada (ou seja, de quem planta ou cria em suas propriedades), a produção sustentável avança em passos largos, impulsionada ora por consciência, ora pela imposição de mercados cada vez mais exigentes.
Os trâmites públicos, entretanto, não acompanham o ritmo que se vê nas fazendas. O Conselho Monetário Nacional (CMN), por exemplo, precisa regulamentar a adoção dos descontos “verdes” nos financiamentos do Plano Safra, mas não o fez no ano passado.
Para a nova edição do plano, esse “detalhe” foi superado, com a publicação da regulamentação, que prevê que os recursos incentivados comecem a ser disponibilizados no início de 2025.
Destravada essa porteira, ainda há outros obstáculos para serem superados e o dinheiro mais barato efetivamente chegue a quem produz de forma sustentável.
Talvez o maior deles continue sendo o descasamento entre as exigências feitas ao produtor para ter acesso a esses recursos e a capacidade dos órgãos públicos em fornecer os documentos que ele mesmo solicita.
A resolução do CMN diz que estarão aptos às taxas de juros mais baixas produtores que já tenham contratado linhas do antigo plano ABC (agora renomeado para RenovAgro) nos últimos cinco anos ou que tenham certificações para produção orgânica, produção integrada (PI Brasil-Mapa) ou de boas práticas agrícolas (BPA-Mapa).
Com isso, ele pode pleitear uma redução de 0,5 ponto percentual nas taxas. Além disso, produtor pode ter direito a mais 0,5 ponto percentual de redução caso tenha tido seu Cadastro Ambiental Rural (CAR) validado.
É aí que o gargalo se torna mais apertado. A validação do CAR é feito pelos governos estaduais e avança a passos de tartaruga. No ano passado, apenas 2% de cerca de 6,9 milhões de cadastros haviam sido analisados. Atualmente, segundo uma pesquisa da ONG Climate Policy Initiative e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) citada pelo site Capital Reset, esse núero se encontra em somente 2,7%.
O site aponta também que “o texto do CMN prevê que as instituições financeiras façam a verificação dos dados de sustentabilidade numa plataforma digital chamada AgroBrasil+Sustentável, que ainda está em fase de desenvolvimento”.
Falta, portanto, um plano para tirar esse Plano do papel.