Em anos com os preços das commodities mais baixos e previsão de safras menores em função do clima, – fala-se em produtividades de aproximadamente 50 sacas por hectare em algumas regiões do Mato Grosso – a preocupação ganha espaço e o noticiário já reflete isso.
Nas últimas semanas, temas como a recuperação judicial (RJ) de produtores e empresas rurais ganharam espaço na mídia, aquecendo os debates sobre a necessidade de uso do instrumento – criado para proteger devedores em momentos de dificuldades – e o alcance da medida, uma vez concedida pela justiça.
A escalada no número de pedidos de RJ registrados desde o ano passado no setor é, de fato, um dos efeitos colaterais da situação atual. De acordo com um levantamento da Serasa Experian, publicado pelo portal AgFeed, a utilização do instrumento por produtores rurais pessoa física cresceu até 300% de janeiro a setembro de 2023, alcançando 80 pedidos registrados.
Esse crescimento foi notado também entre outros grupos analisados no levantamento, como o de produtores rurais que utilizam CNPJ e o de empresas do agro.
Para alguns especialistas, essa tendência de alta seguirá em 2024, uma vez que a redução na produção de grãos só deve agravar a situação de muitos produtores que já enfrentavam dificuldades nos últimos anos para fechar as contas e quitar as dívidas.
Dentro desse panorama, outra discussão chamou atenção: as decisões da justiça que excluem dos processos de recuperação o crédito decorrente da Cédula de Produto Rural (CPR) física (em que a satisfação do crédito ocorre com a entrega de produto).
Foi o caso de uma decisão liminar do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJ-MT), que reconheceu a CPR física como “extraconcursal”, ou seja, não sujeita aos efeitos de recuperação judicial, permitindo-se, assim, o prosseguimento da execução da dívida.
Outro caso que ganhou bastante repercussão foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), que julgou como improcedente a inclusão de uma CPR em um processo de recuperação judicial.
A negociação envolvia o financiamento da produção de soja por meio de uma CPR física entre uma trading e um produtor rural do Centro-oeste do país, com garantia real representando um valor de mais de R$ 7 milhões referentes a 47.520 sacas de soja de 60Kg, segundo o portal Money Times.
Para o CFO da Produzindo Certo, Thiago Brasil, decisões como essas trazem maior segurança jurídica, e, portanto, devem se refletir em um volume maior de recursos para financiamento ao setor, inclusive com taxas mais competitivas.
“Vale lembrar que na prática, quando você faz uma CPR que envolve a alienação fiduciária como garantia, por exemplo, já existe uma transferência condicional da propriedade do bem, de forma que o devedor não é mais o titular da propriedade até que honre com as obrigações assumidas”, explicou Thiago.
A alienação fiduciária de produtos agropecuários passou a ser permitida a partir da Lei do Agro (Lei 13.986/20) e exclui o crédito vinculado dos efeitos de recuperação judicial.
Outro ponto defendido pela CFO da Produzindo Certo é que esse ambiente mais seguro também pode gerar vantagens para o produtor.
“Em operações de crédito, o risco de inadimplência e as chances de perda do capital investido – incluindo a probabilidade de recuperação – são pontos chaves na avaliação do empréstimo e na determinação do custo da operação. O mercado privado para crédito é bem amplo, e o produtor compete com outros setores/projetos – imobiliário, infraestrutura, energia, etc – na hora de obter o capital. O fato de você estar em um ambiente que oferece maior segurança jurídica, ao menos em tese, deveria refletir em melhores condições, incluindo preço, e atrair mais capital”.
Em um momento de expansão dos mecanismos de financiamento privado do agronegócio brasileiro, visto o crescimento das operações de CRA, e Fiagro, incluir as CPR’s nos processos de recuperação judicial seria um retrocesso muito grande, com impactos em todo o setor.
“Já está claro que o financiamento público não tem condições de suprir toda a necessidade de capital do setor. “Esvaziar” os direitos de crédito das operações privadas coloca em risco o crescimento do fluxo de capital para o agro, assim como atrapalha qualquer precificação mais competitiva”, finaliza Thiago.