Grandes marcas da indústria da moda já compram créditos de couro sustentável do Brasil e podem aumentar a aposta. A Produzindo Certo faz parte da iniciativa que conecta os elos interessados nessa valorização
A negociação entre os pecuaristas e a indústria frigorífica já evoluiu em diversas frentes, ganhou inovações tecnológicas, agregou pagamento por qualidade, ficou mais ágil e transparente, mas ainda carrega um tabu difícil de ser superado. Quem produz os animais quer receber também pelo couro, não só pela carne. Ainda mais se for uma pele com alto padrão de qualidade, livre de marcas ou riscos e com melhor rendimento no curtume. As empresas, por sua vez, alegam que pagam o valor da arroba pelo boi completo, não por suas partes. Uma possível quebra desse impasse começa a ganhar força, e tem origem em outros elos da cadeia. É o crédito do couro sustentável.
Fruto de uma parceria entre a Produzindo Certo e a Textile Exchange, organização global sem fins lucrativos que ajuda a indústria da moda, têxtil e de vestuário a se conectar com os recursos que utiliza, o projeto piloto de créditos de couro sustentável já está na segunda edição. A iniciativa faz parte do programa Leather Impact Accelerator (LIA) da Textile Exchange e tem como objetivo remunerar o produtor pelo couro, combater o desmatamento e incentivar a adoção de boas práticas de bem-estar animal.
Sustentabilidade no DNA
“Esse programa teve nosso apoio desde o desenho inicial e está muito alinhado com os motivos pelos quais a Produzindo Certo foi criada”, afirma Charton Locks, COO da Produzindo Certo. O executivo explica que a empresa nasceu com duas missões principais: levar assistência técnica em sustentabilidade para o produtor e fazer com que os produtores engajados nessa jornada sejam mais bem valorizados no mercado.
As duas metas se enquadram na iniciativa dos créditos de couro sustentável, pois envolve monitoramento das fazendas e promove a conexão dos pecuaristas com a indústria da moda. “É uma forma de trazer novos players com capacidade de investimento para colocarem dinheiro em fazendas brasileiras para que fiquem cada vez mais sustentáveis”, explica Locks. Os resultados têm sido estimulantes.
O primeiro grupo a participar do programa, formado por quatro propriedades localizadas nos biomas Amazônia e Cerrado, gerou quase 100 mil créditos de couro sustentável, entre 2022 e 2023. “Já foi tudo comercializado”, afirma Locks. A expectativa com o segundo grupo, que envolve sete propriedades e agrega também a Mata Atlântica, é de chegar a 80 mil créditos (os dados finais de 2023 devem ser divulgados ainda em setembro). Dessa forma, a média anual aumentaria para algo próximo de 130 mil créditos.
Como já era de se esperar, o tema vem ganhando notoriedade, afinal é grande o público interessado em melhores negociações com o couro. Inclusive o coordenador de Campo da Produzindo Certo, Willian Campos, foi convidado para falar sobre os créditos de couro sustentável no programa Planeta Campo, do Canal Rural. E teve a oportunidade de abordar a importância da rastreabilidade nesse processo. “Temos fazendas de ciclo completo e outras que fazem só a engorda. E conseguimos monitorar todos os animais, com rastreabilidade de entrada e saída”, afirma.
Alcance global
As expectativas para esse projeto dos créditos de couro sustentável não são pequenas. E nem poderiam. Basta levar em conta as exportações brasileiras de couro no ano passado, que superaram a marca de US$ 1,2 bilhão, com a negociação de 354,5 mil toneladas de peles, ou 140,7 milhões de m2, conforme números da Secex divulgados pelo Centro de Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB). A ideia é alcançar mais players envolvidos com essa cadeia e despertar o interesse pelos créditos.
Para se ter ideia da abrangência do engajamento da Produzindo Certo com essa busca, Locks deve ir a Londres, entre os dias 23 e 27 de outubro, para participar da Textile Exchange Conference, evento anual da organização. O intuito é estreitar e fortalecer os relacionamentos e ampliar as possibilidades.
O executivo esteve na edição passada desse encontro, realizado no Colorado (EUA), em novembro de 2022, onde pôde estreitar os relacionamentos e ampliar o alcance do conceito sobre essa conexão entre os pecuaristas e as marcas. De acordo com a organização, mais de 980 pessoas participaram presencialmente da conferência, enquanto outras 829 acompanharam de forma virtual. A mensagem parece ter ecoado na direção certa.
“No início deste ano, houve um grande chamamento para a indústria da moda assumir compromissos com a originação de couro sustentável”, diz Locks. “Boa parte das grandes indústrias está assumindo esse compromisso.” Prova desse interesse é que representantes dessas empresas estiveram no Brasil, em abril, para ver de perto essa tal da sustentabilidade na pecuária.
Convencimento na prática
A Tour do Couro Responsável reuniu cerca de 30 pessoas, que conheceram duas propriedades e uma unidade industrial – frigorífico e curtume – em Mato Grosso. Entre os visitantes estrangeiros, estavam representantes de grandes marcas globais.
Na análise de Locks, o grupo foi surpreendido pelo que viu. Como as fazendas visitadas integram a Plataforma Produzindo Certo, já existe um compromisso histórico de sustentabilidade. Essas propriedades passaram por processos de verificação e têm compromisso de melhoria contínua. “O olhar da indústria para essas fazendas era para entender se estariam aptas a fornecer créditos de couro sustentável”, diz o COO da Produzindo Certo.
Pelas manifestações dos visitantes, o projeto tende a crescer. Além de tecerem elogios sobre as fazendas, tanto pelos sistemas de produção quanto pela infraestrutura, demonstraram haver interesse em dar novos passos caso o Brasil tenha mais a oferecer. É nisso que a Produzindo Certo aposta – mais investimento – para abrir um terceiro projeto piloto de créditos de couro sustentável. E até ganhar dimensões que permitam deixar de chamá-lo de piloto.