O que a descoberta de uma nova espécie de abelha na propriedade da família Fiorese, integrante da plataforma Produzindo Certo, ensina sobre a convivência entre produção e conservação
Nos mais de 4 mil hectares da Fazenda Nossa Senhora Aparecida, no município goiano de Água Fria (a 150 km de Brasília), a família Fiorese produz soja, feijão, milho, trigo, sorgo… e biodiversidade. A propriedade, integrante da Plataforma Produzindo Certo desde setembro de 2017, tem porte médio para os padrões da região Centro Oeste, mas é reconhecida como modelo no uso de boas práticas agronômicas e socioambientais. Desde meados de janeiro de 2021, é também uma referência na comprovação dos benefícios da convivência harmoniosa entre lavouras e a vegetação nativa – e de como os produtores rurais podem obter ganhos com a sua preservação. Isso graças à descoberta, ali, de uma nova espécie de abelha, inseto visto como símbolo da saudabilidade de um ecossistema.
Batizada de ceratina (ceratinula) fioreseana, a abelha foi identificada em uma área de floresta recuperada no entorno da lavoura de soja. O nome “fioresana” é uma homenagem à família proprietária da fazenda, que nos últimos anos se transformou em um verdadeiro laboratório de pesquisas sobre a utilização de técnicas sustentáveis na produção agrícola. “É um orgulho imenso, uma espécie de presente da natureza em retribuição ao trabalho que temos feito”, afirma Henrique Fiorese, um dos administradores da propriedade.
A Nossa Senhora Aparecida é a primeira propriedade brasileira incluída no Programa Forward Farming, da Bayer, cujo objetivo é justamente desenvolver padrões mais responsáveis e produtivos para serem reproduzidos em lavouras de todo o mundo, utilizando as melhores tecnologias disponíveis. “Queremos mostrar em nossa propriedade que é possível desenvolver uma agricultura de larga escala vivendo em harmonia com o meio ambiente”, destaca.
Graças ao projeto, a família Fiorese teve acesso a tecnologias de ponta para a produção e recebeu a visita de especialistas em várias áreas. Henrique destaca, por exemplo, as ferramentas digitais de monitoramento das lavouras, conectadas com sensores e máquinas, que permitem a tomada mais rápida e precisa de decisões no campo e transformaram a Nossa Senhora Aparecida em uma espécie de vitrine do agro do futuro.
UM NOVO MUNDO NA FAZENDA
Em pouco tempo, muita coisa mudou na propriedade – e a descoberta da nova espécie de abelha selvagem é um claro indício dessa transformação. “No início do projeto da Bayer, sabíamos muito pouco sobre os polinizadores e seu papel importante para a agricultura. Porém fomos cada vez mais nos envolvendo e nos informando sobre o tema e descobrindo um novo mundo bem no meio da nossa fazenda.”
Juntamente com pesquisadores, professores e biólogos de várias instituições, os proprietários e funcionários da fazenda fizeram um longo trabalho de acompanhamento da população de abelhas, aprendendo a fazer o manejo das caixas de abelhas e a coleta cuidadosa de indivíduos para estudo. Foi durante esse processo que se chegou à abelha fioresana. “Quando se identificou uma amostra diferente foi uma surpresa”, conta. “Depois disso, ainda levou mais de um ano para se confirmar que se tratava de uma nova espécie e para o processo de catalogação.”
O anúncio da descoberta foi feito através da publicação de um artigo científico na Zookeys, publicação internacional referência nas áreas de zoologia, taxonomia, filogenia e biogeografia. Assinado por Heber Luiz Pereira, pesquisador responsável pelo monitoramento da diversidade de polinizadores na fazenda, a Favizia Freitas de Oliveira, pesquisadora taxonomista de abelhas do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (IBIO-UFBA), o trabalho descreve a nova espécie como solitária (não vive em colônias) e como “uma polinizadora importante em ecossistemas naturais”.
“Nós coletamos alguns espécimes da nova espécie, fêmea e macho. Além destas, identificamos mais 72 espécies de abelhas nativas brasileiras durante uma avaliação para monitoramento de diversidade de polinizadores”, afirmou a pesquisadora em reportagem no site da revista Exame.
PARCERIA NO CAMPO
“Não fosse o bom manejo realizado pela família Fiorese e seu time, provavelmente essa nova espécie nem existisse mais”, afirma Jaime Dias, ecólogo do time de campo da Produzindo Certo que acompanhou a evolução da propriedade nos últimos anos. Nesse trabalho, os proprietários contaram com apoio da Bayer e outras empresas parceiras do projeto. A Produzindo Certo, por exemplo, foi responsável pelo diagnóstico socioambiental e auxiliou na elaboração do plano de ação que propiciou adequação da fazenda às melhores práticas e à legislação socioambiental e também deu assistência técnica na sua execução. Como resultado do programa, a fazenda recebeu certificação RTRS para produção de soja responsável.
“A Produzindo Certo foi uma grande parceira. Não é fácil partir para uma certificação, pois é um processo que envolve muita organização e conhecimento das normas e da legislação. A experiência e a bagagem deles foi fundamental para passarmos por tudo isso com mais confiança de que estávamos fazendo da maneira correta”, diz Henrique.
Uma das ações realizadas pela Produzindo Certo foi a identificação das áreas de preservação permanente (APPs) que precisavam ser mantidas ou recuperadas. Técnicos da empresa ajudaram no controle da fauna e da flora nessas áreas. Apenas na fase inicial do processo de recuperação, mais de 12 mil mudas de espécies diferentes de plantas foram adquiridas pela família Fiorese para a sua recuperação. “Esse trabalho continua ano a ano. Não adianta fazer uma vez e depois deixar de lado”, afirma o produtor. “A fazenda é realmente um modelo e está em permanente evolução”, diz Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.
As APPs serviram de abrigos para os chamados “hotéis de abelhas” instalados pelos pesquisadores para servirem de abrigo para as espécies dos insetos que habitam a região. Com a presença das caixas que servem de abrigo, eles conseguiram quantificar e identificar a diversidade existente. E, assim, chegar até a ceratina fioresana.
O PODER DA POLINIZAÇÃO
A descoberta ganha relevância por demonstrar que a produção responsável pode contribuir para a recuperação da população de abelhas e outros insetos polinizadores, que entrou em preocupante declínio nos últimos anos. O desaparecimento das abelhas tem impactos graves para o equilíbrio ecológico e para a produção de alimentos. Segundo estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), elas são as principais responsáveis pela polinização de mais de 70% das culturas agrícolas. A ONU estima que, de tão importante, a atividade de polinização movimenta um mercado global de cerca de US$ 54 bilhões anuais.
Ecologista da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, a pesquisadora Rachel Winfree fez um estudo relacionando a presença de abelhas e a produtividade em 131 diferentes áreas. Sua conclusão: as que continham mais abelhas tiveram uma produção significativamente maior. Outra conclusão foi a de que as abelhas selvagens são polinizadores mais eficazes do que abelhas comuns.
A cultura da soja é uma das que mais se beneficia com o trabalho das abelhas. Segundo estudo do pesquisador Décio Gazzoni, da Embrapa Soja, a presença delas pode trazer ganhos significativos de produtividade – de 5% a 20%, conforme a qualidade do processo de produção. “A contribuição das abelhas fica mais evidente quando o teto de produtividade é alto. Ou seja, quando foi feita adubação correta, o clima é bom e a variedade é a mais adequada, o ganho com a polinização se expressa melhor”, afirmou Gazzoni em reportagem da revista Plant Project. Na fazenda do futuro, como comprovam os Fiorese, elas são uma “tecnologia” indispensável.