Estudo mostra o que pensam produtores do polo agropecuário que envolve os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia sobre investir na ampliação do plantio de soja livre de desmatamento no Cerrado
A região do Matopiba, composta por 337 municípios e 31 microrregiões de quatro estados brasileiros – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia –, soma aproximadamente 73 milhões de hectares, sendo que a maior parte está no Cerrado. São cerca de 66,5 milhões de hectares (91%) nesse bioma, enquanto 5,3 milhões estão na Amazônia e 1,2 milhão, na Caatinga. Desde a segunda metade da década de 1980, o Matopiba vem se consolidando como polo de forte expansão agropecuária, favorecida por fatores como topografia plana, baixo custo das terras e clima bem definido.
Por outro lado, a região que ficou conhecida como “nova fronteira agrícola” também respondeu por 26,3% de toda a área desmatada no País em 2022, ou 541,8 mil hectares, segundo dados do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, publicado pelo MapBiomas. Esse número é 37% superior ao registrado no ano anterior (395,4 mil hectares). De 2019 até o ano passado, já foram quase 1,7 milhão de hectares desmatados no Matopiba. Tais estatísticas acabam incentivando, direta ou indiretamente, iniciativas para promover a produção agropecuária mais sustentável e livre de desmatamento.
É o caso da pesquisa “Mapas Mentais de produtoras(es) rurais sobre mudança de uso de solo no Matopiba”, realizada pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), em parceria com Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade da PUC-Rio (CSRio) e com financiamento do Land Innovation Fund (LIF). O estudo é a primeira etapa do projeto “Incentivos e intervenções para políticas baseadas em comportamento para uma cadeia produtiva de soja sustentável e livre de desmatamento no Cerrado”, que vem utilizando ciências comportamentais para mapear critérios que influenciam a tomada de decisão de sojicultores quanto ao uso da terra neste bioma.
Os resultados desse estudo serão a base da elaboração de mecanismos que incentivem a conservação e a restauração voluntária da vegetação nativa e a adoção de práticas agrícolas sustentáveis. Os passos seguintes serão a avaliação da aceitação dos produtores quanto às soluções desenvolvidas, inclusive para entender até que ponto esses incentivos podem ser aprimorados por intervenções comportamentais, e a análise dos custos e benefícios para definir a operacionalização do incentivo de políticas privadas, públicas e multilaterais sobre como implementar esses estímulos.
Sustentabilidade financeira
A pesquisa realizada pelo IIS foi feita com base em entrevistas a 69 pessoas, entre homens e mulheres produtores de soja ou produtores de outras culturas e pecuaristas. Entre 40 sojicultores participantes, a grande maioria é formada por uma terceira geração de agricultores que migraram da Região Sul. Esse grupo afirmou já adotar alguma prática sustentável, como plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, uso de insumos biológicos, plantio em curva de nível e manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas.
A adoção desses manejos está bastante relacionada a evolução nos resultados da produção, redução de custos e melhoria do solo, o que consequentemente potencializaria o desempenho agrícola. No entanto, há fatores que desafiam a implantação das práticas sustentáveis, como o alto custo de insumos e do frete (desfavorável à logística), os longos períodos de estresse hídrico na região e a falta de conhecimento sobre as especificidades técnicas para a implementação.
Um dos pontos de destaque na abordagem da pesquisa foi o que os entrevistados fariam com as áreas degradadas, considerando que suas propriedades já tenham Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). Entre 42 sojicultores, 22 se mostraram interessados em recuperá-las para plantar mais soja, por conta do retorno financeiro, do interesse em ampliar a área de plantio, recuperação do solo, a tradição familiar com a cultura e até a dispensa de licença ambiental para supressão de vegetação nativa.
No caso das dificuldades para essa escolha, apareceram como destaque nas entrevistas os custos com insumos, maquinários e combustível; impostos sobre produção; o tempo de recuperação do solo; carência de mão de obra qualificada e a falta de assistência técnica para manutenção do maquinário.
De 19 pecuaristas, oito afirmaram ter interesse na recuperação das áreas degradadas para ampliar a pastagem, com o intuito de aumentar o rebanho. Também pesaram a favor dessa escolha o custo menor em relação à recuperação para plantio de soja. Além disso, o cultivo de braquiária para alimentar o gado contribui para a recomposição do solo, com aumento de matéria orgânica. E, futuramente, para uma possível transformação em lavoura de soja. Algumas barreiras são semelhantes às citadas pelo pessoal da soja, como custo de insumos – tanto para cuidar da terra quanto para criar o gado –, a falta de gente capacitada e o peso dos combustíveis no ciclo de produção.
Razões para preservar
Para a maioria de quem participou da pesquisa, o conceito de sustentabilidade é avaliado muito mais pelo ponto de vista de negócio do que da relação com o meio ambiente. Dos que responderam sobre o que fariam em uma área excedente de vegetação nativa em suas propriedades, o conceito foi diferente para agricultores e pecuaristas. De 38 sojicultores consultados, 21 afirmaram que desmatariam para plantar soja – mais da metade. Nove disseram optar por conservar voluntariamente.
Entre os pecuaristas, 19 responderam a essa questão. Destes, 10 confirmaram que conservariam essa área excedente de forma voluntária e apenas cinco desmatariam para colocar mais gado. Nos dois casos, quem decide conservar voluntariamente quer evitar o peso dos custos e da burocracia para abertura de novas áreas. Também está de olho em oportunidades de negócio futuro, com a comercialização de Cotas de Reserva Ambiental (CRA), por exemplo.
A visão de futuro ainda leva em consideração o Pagamento por Serviço Ambiental (PSA). Alguns produtores rurais que não optaram, de forma voluntária, pela restauração e nem pela conservação, estariam dispostos a rever sua posição se tivessem algum retorno financeiro para fazê-lo. De 30 sojicultores consultados sobre restauração, 13 aceitaram fazê-lo diante do PSA. No caso da conservação, foram 9 entre os 22 produtores de soja que afirmaram aceitar a opção do PSA. Entre os pecuaristas, em relação à restauração, foram 5 de 15 que concordariam com o PSA e, na conservação, foram quatro de seis.
Sobre o que consideram um valor justo para o PSA no caso de restaurarem ou conservarem de vegetação nativa em áreas da propriedade fora de APP ou RL, 38% disseram que seria o equivalente ao lucro anual do cultivo da soja por hectare – entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Já 17% aceitariam um valor equivalente ao arrendamento das terras, entre 10 e 12 sacas de soja por hectare.
Os entrevistados também opinaram sobre sua confiança nas entidades que poderiam propor um PSA, e nessa análise as traders apareceram como as mais confiáveis, seguidas por bancos e empresas privadas do agro, além das associações de classe.
Ainda há muito o que se avaliar e debater sobre o avanço dessas questões, da dedicação e do comprometimento dos produtores rurais com a preservação ambiental, da maturidade desse debate e da remuneração de agricultores e pecuaristas por esse cuidado. Sem sombra de dúvidas, a melhor maneira de evoluir nessa conversa é a partir de informação, de dados estatísticos e científicos transformados em conhecimento.