Artigo científico demonstra relação entre investimento e controle de incêndios florestais e revela que propriedades cadastradas na Plataforma Produzindo Certo reduziram focos em até 50%
As imagens ainda estão fortes e vivas na memória. O fogo ardendo em milhares de quilômetros quadrados de áreas com vegetação nativa nos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado marcou, assim como a pandemia de Covid-19, o ano de 2020 como um dos mais devastadores da história recente do Brasil. A estimativa é de que cerca de 20 milhões de hectares de matas foram queimados ao longo do ano, um número recorde. Na Amazônia, a perda chegou a 1% da área de florestas e no Pantanal, o fogo atingiu cerca de um quarto da sua extensão, provocando extensivas perdas em suas fauna e flora únicas, além de perdas econômicas para produtores das regiões afetadas.
Lembrar é importante, mas, à medida que uma nova estação seca se aproxima, mais relevante ainda é se preparar para que o quadro não se repita. A temporada de incêndios florestais começa em junho e se arrasta até novembro, mas já com a chegada do outono o ar mais seco torna as condições mais propícias para o surgimento de focos de calor e fogo.
Foi oportuna, assim, a publicação em março passado no Forest Policy and Economics (periódico renomado internacionalmente pela publicação de estudos científicos na área ambiental) de um artigo científico produzido pela equipe liderada pela geóloga Aline Silva de Oliveira, doutora em Meteorologia do Fogo. Ela e uma equipe do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenado pelo professor Britaldo Soares Filho, analisaram investimentos públicos e privados em ações de prevenção e controle de incêndios florestais na Amazônia e no Cerrado entre 2012 e 2016. Sua principal conclusão é que a adoção de práticas de manejo integrado de fogo (MIF), combinando prevenção e combate e coordenando iniciativas públicas e privadas, podem trazer significativas reduções nas áreas queimadas. “Se os órgãos públicos e as entidades privadas trabalhassem juntas, os recursos investidos seriam ainda mais efetivos no controle dos incêndios”, afirma Aline.
Vistos de forma isoladas, as iniciativas públicas e privadas revelam cenários bem distintos. O grupo liderado por Aline comparou os recursos aplicados nas regiões por IBAMA e ICMBio, na esfera pública, e por produtores cadastrados na Plataforma Produzindo Certo – PPC (na época ainda como Aliança da Terra), na esfera privada, sempre em ações de prevenção e controle de incêndios florestais nos biomas Amazônia e Cerrado. Os principais pontos destacados no estudo – e ressaltados no artigo – foram:
- Faltam informações sobre a eficácia dos investimentos em manejo de incêndios florestais no Brasil.
- Aproximadamente 94% dos investimento públicos em manejo de incêndios em Unidades de Conservação (UCs) são direcionados apenas para atividades de supressão, e não para prevenção.
- As UCs do Cerrado com brigadas de incêndios reduziram, em média, em 12% a área queimada em comparação às UCs sem brigadas.
- UCs que também incluíram práticas de prevenção, com Manejo Integrado do Fogo (MIF), reduziram as áreas queimadas em 6% adicionais em relação às UCs que atuaram apenas com práticas de supressão de incêndios.
- Entre 2012 e 2016, houve uma redução de 50%, em média, nas áreas queimadas após a adesão das propriedades privadas ao programa de mitigação de incêndios da Produzindo Certo, que incluem o cadastramento na plataforma e a ação da Brigada Aliança.
- Propriedades privadas, em ambos os biomas, apresentaram redução média de 50% nas áreas queimadas após se cadastrarem na PPC.
No bioma Amazônia, o estudo avaliou um total de 265 propriedades rurais cadastradas, das quais 68% ocupam grande parte do arco do desmatamento no norte do Mato Grosso. Os proprietários de terras dessa região conseguiram reduzir as áreas queimadas em 35% após aderir à iniciativa. Já no bioma Cerrado, 764 propriedades conseguiram reduzir em 58% as áreas queimadas.
Uma das explicações para essa diferença no resultado pode estar no montante investido. Segundo o estudo, os gastos públicos com gestão de controle de incêndios nas UCs avaliados ficaram, em média, em US$ 0,51 por hectare/ano no bioma Amazônia e em US$ 5,31 por hectare/ano no bioma Cerrado. Nas propriedades privadas cadastradas na PPC, o gasto anual por hectare ficou na faixa de US$ 15,89, ou seja, três vezes maior.
“Nossa intenção foi comprovar a efetividade do uso desses recursos”, explica Aline. Os resultados demonstraram, segundo ela, que os investimentos concentrados na supressão de incêndios são pouco efetivos. Mas mesmo em áreas públicas, quando aplicados juntamente com uma metodologia de prevenção e monitoramento, podem trazer bons resultados. Prova disso é o que aconteceu em sete UCs do Cerrado, que utilizaram uma metodologia australiana de manejo integrado de fogo e que obtiveram até 18% de redução na incidência de incêndios.
Já os resultados obtidos pelos produtores rurais, que receberam orientação e apoio da Brigada Aliança e assistência técnica da Produzindo Certo, foram expressivos. “Com áreas menores que as UCs e o acompanhamento de especialistas, a ação nas propriedades privadas tende a ser mais efetiva”, afirma a pesquisadora. “O ideal seria a existência de uma coordenação entre os dois universos, com ênfase nas medidas preventivas, para que pudéssemos contar com o melhor de cada um em uma ação unificada”.
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