Nos 10 anos do Código Florestal, uma das maiores autoridades do agronegócio brasileiro celebra os avanços da lei e diz que ainda falta “premiar quem faz bem feito e não apenas punir quem faz mal feito”
O novo Código Florestal Brasileiro, sancionado em maio de 2012, acaba de completar 10 anos. Considerada uma das Leis ambientais mais completas e rigorosas do mundo, trouxe segurança jurídica para a produção agropecuária brasileira, fixou os percentuais de preservação da mata nativa conforme a região do País e contribui de forma decisiva para uma produção cada vez mais sustentável.
Apesar de ser visto como uma importante conquista, ainda há muito entraves para a sua plena implementação. Entre eles, ampliar a análise e validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Além disso, alguns estados ainda não têm o Programa de Regularização Ambiental (PRA), fundamental para o passo seguinte.
Para entender melhor as conquistas da última década, os desafios e a importância do Código Florestal para a sustentabilidade e a imagem do Brasil, entrevistamos o coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, uma das mais repeitadas vozes do agronegócio brasileiro. Ex-ministro da Agricultura, Rodrigues é agricultor, engenheiro agrônomo, professor, e foi também presidente de várias instituições de classe e Secretário de Agricultura de São Paulo. Confira a entrevista:
Quais as principais conquistas nesses 10 anos do Código Florestal?
Há muitas conquistas feitas pelo Código Florestal nos últimos dez anos. A mais importante delas, sem dúvida nenhuma, é que esta é uma lei, um projeto legal, que é o mais perfeito, mais completo e mais rigoroso do mundo inteiro. Então, nós temos uma legislação que confere ao Brasil uma condição de liderança e vantagem competitiva em relação a qualquer outro país na preocupação institucional com a questão ambiental. Esse é o primeiro ponto.
Há outros pontos muito relevantes. Para mim, há uma questão filosófica muito importante. Antes de o Código Florestal existir, nós vivíamos no Brasil uma grande insegurança jurídica. O Código Florestal consertou isso ou deu as direções para consertar isso. O que é muito positivo. Além disso, antes do Código Florestal, qualquer produtor rural, qualquer pessoa do Brasil que cometesse um crime ambiental era fortemente multado e punido. Nós tínhamos todo viés legal voltado para a questão ambiental sobre a coluna dorsal da punição, do pecado a ser espiado. O Código Florestal criou o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que muda essa postura doutrinária histórica desse segmento.
Com o PSA, quando estiver regularizado, implementado e funcionando plenamente, o produtor fazendo as coisas corretas será premiado, inclusive com vantagens financeiras. Até mesmo as que poderão surgir a partir do mercado de carbono, que está sendo regularizado, implementado agora no País e no mundo inteiro.
Então essa questão da mudança de comportamento judicial quanto às falhas e ações positivas dos produtores rurais é muito relevante porque mostra uma nova visão. Premiar quem faz bem feito e não apenas punir quem faz mal feito.
Em que medida podemos dizer que o Código é aplicado atualmente?
Ele é aplicado na medida em que várias das suas determinações são decisivas mesmo para, por exemplo, o crédito rural ser concedido ao produtor rural. Então, ele tem uma função muito positiva. No entanto, há alguns temas que não permitem dizer que o Código é totalmente aplicado. Primeiro, por exemplo, é o PSA. Até hoje não está regulamentado e não está sendo aplicado ainda. Isso é uma perda, é uma pena. São dez anos de criação do Código Florestal e até hoje, aquilo que é fundamental, que é a premiação, o elogio a quem faz as coisas bem feitas, não foi ainda regulamentado.
Por outro lado, o CAR, que é o grande instrumento para regularizar a propriedade, deixar todo mundo dentro da lei, até hoje não ainda foi avaliado por parte dos órgãos de governo.
Aprofundando mais esse assunto, do total de imóveis rurais inscritos no CAR (Cadastro Ambiental Rural), menos de 1% tiveram a análise dos dados concluída.
A que se deve essa demora?
Me parece basicamente que é por uma questão burocrática e a inexistência de recursos suficientes para esse processo. Afinal de contas, o Brasil tem mais de cinco milhões de propriedades rurais, esparramadas por todos os estados e o Distrito Federal, e algumas com dificuldades de acesso claramente. É um problema de caráter burocrático, institucional que tem que ser resolvido.
Hoje, o Ministério da Agricultura tem um mecanismo para isso. Nós estamos muito confiantes que nos próximos meses essa situação vai ser resolvida e todos os CARs terão sido avaliados.
Portanto, o Código pronto para ser plenamente atendido. Mas ainda fica faltando alguns estados que não fizeram o PRA e isso cria também um atraso. Mas espera-se que os estados façam isso. Esse é um ano de eleições e é um tema que está sendo cobrado por eleitores da zona rural de todos os estados brasileiros.
Na sua opinião, em quais pontos a Lei ainda precisa avançar nos próximos dez anos?
É uma questão bastante complexa porque o Código Florestal, discutido durante anos e anos no Brasil, foi finalmente implantado com larga maioria de votos na Câmara dos Deputados e no Senado e isso deveria ser um resultado definitivo sobre o tema. Ele é definitivo e positivo na medida em que nenhum dos lados envolvidos na discussão, produtores rurais e ambientalistas, nenhum dos lados ficam satisfeitos com o resultado, de um modo que é um Código justo.
Se os ambientalistas ficassem satisfeitos, os agricultores não ficariam, e vice-versa. Como todos ficaram insatisfeitos, isso diz que o Código é justo, equilibrado e sensato. E é verdade, no entanto, depois de sancionada a lei, partidos políticos, mais ligados à área de esquerda ambientalista, entraram com discussões jurídicas até no Supremo Tribunal Federal para questionar pontos do Código Florestal. Ou seja, mesmo com uma vitória esmagadora, com a maioria dos parlamentares que aprovaram o Código Florestal, um pedaço, um segmento da sociedade representado por partidos políticos e instituições ambientalistas mais radicais não se conformaram com a lei.
O que é um tema bastante complexo porque, tecnicamente, a democracia é a vontade da maioria. Então esse é um problema, tem que ser consolidado o Código Florestal, e espera-se que com os órgãos supremos de justiça botem uma pá de cal nesse processo todo.
No entanto, há também algumas questões técnicas que devem ser objetivas. No futuro, quando isso for passível de discussão. Por exemplo, a questão da largura da APP (Área de preservação Permanente) na margem de rios. Essa largura é determinada pela largura do rio, independente da topografia, se é uma área mais inclinada, menos inclinada, do tipo de terreno. Isso deveria ser uma função técnica mais claramente definida, porque é óbvio que um terreno mais arenoso, que está em uma área muito inclinada, tem muito mais erosão. Então, precisa ter uma largura maior. Diferente de uma área com mais argila e menos areia.
Outra questão que é digna de uma observação no futuro é a porcentagem de área de Reserva Legal. Qual é o critério arbitrado pelo legislador para estabelecer os percentuais da propriedade rural destinados à Reserva Legal e a própria APP.
Então, embora seja um tema muito técnico, muito acadêmico, é um tema a ser discutido para que a legislação seja aperfeiçoada. Não vejo pressa nisso e nem interesse de ninguém nesse processo no momento, mas é indiscutivelmente a questão do tipo de solo, do terreno as margens dos rios e também a questão legal, institucional, o critério para estabelecer a porcentagem de Reserva Legal, acredito que sejam melhoramentos que podem ocorrer no futuro.
O Código Florestal deveria ser mais divulgado no Exterior?
Eu não tenho a menor dúvida. O Código Florestal é muito importante e deveria ser amplamente divulgado nas embaixadas do Brasil por todo países do mundo para mostrar claramente como o Brasil tem uma legislação rigorosa, vigorosa em defesa do quesito ambiental.
Por outro lado, isso não é suficiente para melhorar a imagem do Brasil, hoje bastante contrariada por algumas questões referentes ao tema ambiental. Não adianta nada você ter uma lei perfeita, maravilhosa, duríssima, se ela não é inteiramente cumprida e respeitada.
É fundamental que nós trabalhemos na questão das ilegalidades. Quem faz desmatamento ilegal tem que ser punido, assim como quem faz invasão de terra ilegal tem que ser punido, garimpos ilegais têm que ser punidos, a questão dos incêndios crimosos tem que ser punida, a questão fundiária em várias regiões do Brasil. Tudo isso tem que ser regulamentado e cumprido. É essencial que uma lei da maior qualidade, do maior valor global, como é o Código, seja efetivamente implementada.
Podemos dizer que o Código tem contribuído para a sustentabilidade e a preservação ambiental no Brasil?
Eu não tenho a menor dúvida disso também. Embora ele não seja implantado, implementado na sua inteira característica, o simples fato da existência de uma lei que normatiza o processo dá segurança jurídica ao produtor a sociedade brasileira.
Então, eu não tenho a menor dúvida que contribuiu sim. Aliás, a atividade rural no Brasil, seja agrícola, seja pecuária, florestal, seja de pesca, qualquer segmento, é extremamente sustentável. O produtor rural é um defensor do meio ambiente, por uma razão até tola, em termos técnicos. O produtor rural que não cuidar da sua propriedade vai perdê-la, porque vai haver erosão, vai haver lixiviação de nutrientes e a terra vai perder valor, vai ficar uma terra estéril, sem retorno financeiro para o produtor. Então defender a questão ambiental, a qualidade do solo, a biologia do solo, a questão de fixação de água, a área florestal de app, Reserva Legal etc. é um desejo do produtor rural brasileiro. Ele sabe que se não fizer isso vai perder.
É muito evidente, por outro lado, que isso tudo é recente, é de pouco antes do Código Florestal ser sancionado. No passado, era o contrário que existia. A ideia era derrubar o mato todo para poder plantar o máximo possível, até na beira do rio. Só que não havia o conhecimento ambiental, da sustentabilidade, são temas que são recentes ainda. Mas desde que estão publicamente conhecidos, o produtor rural é um elemento sustentável, defensor do meio ambiente. Por isso o Código tem contribuído indiscutivelmente para as questões da sustentabilidade e da preservação ambiental do Brasil.