Este ano marca o trigésimo aniversário da Cédula de Produto Rural (CPR), um título de crédito que perfaz a promessa de entrega futura de um produto do agronegócio que revolucionou o mercado brasileiro desde a sua implementação.
Instituída pela Lei 8.929/94, a CPR tem desempenhado um papel importante na captação de recursos, proporcionando aos produtores rurais acesso ao crédito de forma mais ágil e flexível.
Antes da criação dessa modalidade, os produtores enfrentavam dificuldades para obter financiamento, muitas vezes dependendo exclusivamente de linhas de crédito governamentais, e com pouca flexibilidade para acessar o capital privado.
Com a CPR, os produtores passaram a ter uma opção adicional, podendo negociar diretamente com investidores, bancos e instituições financeiras.
Ao longo das últimas décadas, o crescimento do agronegócio brasileiro forçou a ampliação das fontes de financiamento do setor e a evolução da própria CPR.
Uma das principais mudanças veio com a Lei nº 10.200/2001, que possibilitou a liquidação financeira da CPR. Antes disso, a liquidação do crédito só era possível com a entrega física dos produtos (soja, milho, etc).
“Justamente por esta característica que o título oferece, de ser altamente customizável em termos de volume, prazos, forma de liquidação e garantias, é que foi possível acomodar diferentes interesses e acessar diversos tipos de investidores”, destaca o CFO da Produzindo Certo, Thiago Brasil.
Mais avanços
Outros avanços importantes foram estabelecidos pela Lei do Agro (nº 13.986/2020), que ampliou o conceito de produtos rurais passando a incluir ativos florestais, pesca e aquicultura, entre outros, além de possibilitar o uso da CPR para financiar atividades relacionadas a conservação de ativos ambientais, abrindo caminho pela primeira vez para as CPR’s verdes.
E mais recentemente, em 2022, a Lei Nº 14.421/2022 chegou para fortalecer ainda mais a CPR como instrumento de financiamento do agro.
Aprimorou mais uma vez o conceito de produto rural, de forma a permitir a captação de recursos tanto para projetos de conservação e preservação ambiental (CPR Verde), quanto para financiar outros elos da cadeia produtiva (fornecedores de insumos e equipamentos e processadores).
“Através da CPR Verde, por exemplo, investidores e/ou empresas, comprometidos com uma cadeia de fornecimento mais sustentável podem financiar produtores que já adotem melhores práticas socioambientais, ou que estejam buscando se adequar. É possível inclusive remunerá-los por esses serviços ambientais em contrapartida a essas melhores práticas adotadas”, explica Thiago.
Como uma evolução mais recente dos instrumentos de financiamento, no dia 1º de fevereiro de 2024, o CMN publicou ainda a resolução n° 5.118, que normatiza, dentre outros assuntos, o lastro para a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) pelas securitizadoras.
Agora, entre outras alterações, para que as Companhias de capital aberto tenham seus títulos de dívida aceitos como lastro para operações de CRA, estas precisam ter o agronegócio como sua atividade principal, ou seja, precisam que mais de 2/3 (dois terços) de sua receita consolidada sejam provenientes do agronegócio.
“Isso reverte um entendimento de 2016, quando uma operação da rede Burger King captou via emissão de um CRA, lastreado em debêntures, o montante de R$ 150 milhões para financiar a aquisição de insumos para sua operação. Há época, criou-se um precedente para que empresas que consumissem insumos do agronegócio, mas que não necessariamente fossem produtores rurais pudessem captar recursos via emissões de CRA. Essa operação logo foi seguida por diversas outras, a exemplo do grupo Pão de Açúcar que captou R$ 750 milhões também em 2016 para financiar a compra de produtos de proteína animal, laticínios, etc”, lembra o CFO da PC.
E ele aprofunda a questão. “Além de oferecer previsibilidade no fluxo de caixa, e uma camada extra de segurança através da segregação do patrimônio, os rendimentos do CRA são isentos de Imposto de renda para o investidor pessoa física, o que torna a operação potencialmente mais atrativa que outras formas de investimento como as debêntures corporativas”.
Segundo Thiago, essa isenção tornava a operação mais atrativa para os investidores pessoa física, atraindo um volume maior de capital, e, consequentemente, ajudava as empresas a se financiarem a custos mais baixos. “Com essa reversão para uma maior restrição para a composição de lastros, parte desse fluxo de capital que busca a isenção no IR deve ser direcionado para operações lastreadas por CPR’s, que beneficiam diretamente o produtor”.
Principais desafios
No entanto, ao longo dos anos, a CPR também enfrentou desafios significativos. Um dos principais obstáculos tem sido a burocracia e a falta de padronização nos procedimentos de emissão e registro do título, o que em alguns casos dificulta a utilização e negociação.
No caso da CPR Verde por exemplo, ainda existe uma zona cinzenta muito grande, faltando clareza e objetividade sobre os projetos e ativos que podem perfazer o objeto da CPR, os papéis dos agentes, incluindo algumas definições sobre a certificação que tem por objetivo mensurar os impactos alcançados. – “Está tudo muito amplo, sem objetividade”.
Além disso, nem tudo são flores, como todo instrumento de dívida, as questões relacionadas à inadimplência e à falta de garantias adequadas ainda representam desafios importantes para o crescimento da emissão de CPR’s.
Com o aumento do número de RJ’s no campo, conforme matéria publicada anteriormente pelo Portal da Produzindo Certo, a CPR, e as operações de CRA que utilizam a CPR como lastro, estão cada vez mais sendo testadas como instrumentos capazes de garantir a segurança e rentabilidade ao investidor.
Boa parte das atuais decisões judiciais no tema, no entanto, caminham para excluir as CPR’s dos processos de recuperação judicial, consolidando um entendimento de que o compromisso assumido através da CPR deve ser cumprido, trazendo maior segurança jurídica ao investidor.
Apesar desses desafios, a CPR continua sendo uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. À medida que celebramos seus 30 anos de existência, é importante reconhecer os avanços alcançados e trabalhar para superar os desafios, garantindo assim que a CPR continue a desempenhar seu papel vital no financiamento do agro brasileiro.
“Se pensarmos no crescimento do agronegócio brasileiro para os próximos anos é imprescindível que o capital privado assuma o protagonismo e, cada vez mais, maior relevância no financiamento. Com toda sua flexibilidade, a CPR é um instrumento chave para fomentar essa transição de maneira eficiente. Em 2023 por exemplo, houve um crescimento de 81% frente a 2022, no estoque de CPR’s, saindo de R$ 128 Bilhões para R$ 233 Bilhões”, finaliza Thiago.