UM CHURRASCO COM JOE BIDEN
Fim de semana chegando, carne na grelha quente e aquela conversa despretensiosa de repente fica séria. Aquele amigo menos ligado nas coisas do agro pergunta: com o mundo cada vez mais preocupado com as questões ambientais, não vamos ter problemas para escoar nossa produção? Se o Joe Biden fizer pressão, como promete, em torno da preservação da Amazônia, nossa carne, por exemplo, não pode perder mercado no mercado externo?
Não se espante com o questionamento e nem perca o apetite com a preocupação mercadológica. Ok, haverá pressão crescente e a presença de Joe Biden na Casa Branca é um ponto adicional nesse sentido. Ele já avisou que vai cobrar ações efetivas e incentivará ações protetivas em regiões estratégicas nas discussões ambientais (Amazônia, é claro, entre elas). E começou a agir. Anunciou a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris e destinou uma bolada de US$ 20 bilhões para apoiar projetos de conservação de florestas.
Isso é bom ou ruim para a pecuária brasileira, muitas vezes apontada como vilã do desmatamento no bioma amazônico? Especialistas ouvidos pelo site da revista DBO preferem olhar para o prato meio cheio. Se conseguirmos mostrar os avanços que temos obtido com a pecuária responsável, ter um governo mais preocupado com a produção sustentável pode ser uma oportunidade para obter novos recursos e mercados.
O CLIMA DO CLIMA
A percepção da população em geral, inclusive no Brasil, é a de que os problemas climáticos estão se agravando e que a agropecuária tem um papel importante nisso. Pesquisa do Ibope divulgada esta semana sobre a questão traz dados que merecem reflexão:
Para mudar essa percepção, interna e externa, é preciso diálogo. Não nos faltam bons exemplos, mas eles precisam estar inseridos em uma boa política de comunicação. Precisamos falar alto, por exemplo, que entre 2010 e 2018 pecuaristas brasileiros recuperaram, segundo levantamento do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig/UFG) 26,8 milhões de hectares de pastagens degradadas, uma área maior do que o território Reino Unido. Essas áreas adotaram o Plano ABC (Agricultura Baixo Carbono) e somam um volume superior à sua meta, de recuperar 15 milhões de ha.
INTEGRAÇÃO CHURRASCO-CIÊNCIA
A Ciência (com C maiúsculo, sempre!) brasileira tem dado mostras que a pecuária sustentável pode avançar ainda mais rapidamente e ser uma grande aliada – e não inimiga – nas políticas de redução dos efeitos das mudanças climáticas. Vale aqui um capítulo especial para a Embrapa, cuja produção de conhecimento abastece regularmente produtores com soluções e o público com informações comprovando que é possível, por exemplo, neutralizar a emissão de gases de efeito estufa na pecuária e até mesmo torná-la superavitária no balanço de carbono, gerando receitas com créditos ambientais e pagamento por serviços ambientais. Vejamos dois estudos recentes disponibilizados pela Agência Embrapa:
– Pesquisas realizadas pela Embrapa Cerrados (DF) demonstraram que, com o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) implantado em apenas 15% da área de produção já é o suficiente para compensar todas as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) gerados pelos animais e pela pastagem, deixando um saldo positivo de carbono na fazenda.
– No Acre, cultivares de gramíneas desenvolvidas pela Embrapa, adaptadas a áreas com encharcamento, que causa a degradação do solo, proporcionam vida longa às pastagens e aumentam a sua capacidade de suporte. Com essas tecnologias, foi possível mais que triplicar a taxa de lotação do pasto e, assim, evitar a abertura de novas áreas para a formação de pastagens. Estima-se que foram poupados 23 milhões de hectares de floresta.
– O sistema ILPF traz vantagens adicionais. Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), concluíram que, nas áreas com esse tipo de manejo, é viável reduzir a quantidade de agrotóxicos necessários para controle de doenças, pois o componente florestal é um fator importante na redução da sobrevivência de patógenos no solo, bem como reduz a intensidade de doenças foliares.
Mais que argumentos para a conversa do churrasco, são dados e conhecimento para serem servidos à mesa, seja na comunicação do setor, seja nas negociações internacionais. Temperada com a melhor Ciência agropecuária do mundo, nossa carne tem delicioso sabor responsável para atender aos paladares de consumidores de todo o mundo.
BARBECUE COM MR. GATES
Outros importantes países exportadores de carne também estão servindo sua carne ao ponto desejado pelo freguês – e sendo recompensado por isso. Na Austrália, uma família de pecuaristas reconhecidos pela produção dentro das melhores práticas socioambientais recebeu um cheque de US$ 500 mil pela venda de créditos de carbono gerados na sua propriedade. Quem pagou? A Microsoft! Isso mesmo, a empresa criada por Bill Gates e que está por trás dos mais populares sistemas operacionais para computadores do mundo.
Microsoft e Gates têm olhado com muito carinho para o agro – e não é de hoje. Recentemente, no entanto, o site americano The Land Report, referência em notícias sobre o mercado de imóveis rurais nos Estados Unidos, divulgou um levantamento em que aponta o bilionário como o maior proprietário de terras rurais naquele país, com fazendas em 19 estados americanos, somando um total de mais de 100 mil hectares produtivos. Tem uma história deliciosa por trás dessa pesquisa. A reportagem original, em inglês, está aqui. Mas você pode conhecer um resumo assistindo ao vídeo da coluna do jornalista Luiz Fernando Sá no canal Terraviva.
O COURO DOS PECUARISTAS
“O fardo da sustentabilidade é muito pesado para ser carregado apenas pelos produtores”
Charton Locks, COO da Produzindo Certo
No rastro da cadeia da carne, a indústria do couro também busca caminhos para ampliar as práticas sustentáveis, do pasto aos guarda-roupas dos consumidores. Indústria da moda, curtumes e outros atores desse universo têm se reunido em busca de soluções que incentivem o desenvolvimento de modelos mais responsáveis de produção, conferindo mais valor ao produto, inclusive para o pecuarista. Não é tarefa fácil, pois por representar menos de 5% do valor pago pelo animal, o couro muitas vezes não recebe a atenção necessária e até mesmo é descartado. No início de fevereiro, a Textil Exchange, organização que reúne líderes da indústria de vestuário e calçados para o desenvolvimento de padrões sustentáveis na produção de matérias primas, laçou um projeto piloto para a criação da Leather Impact Accelerator (LIA), iniciativa com objetivo de desenvolver um arcabouço de boas práticas para a produção de couros. A Produzindo Certo, através de seu diretor de operações Charton Locks, levou a visão do campo ao projeto.
SOBREMESA
Para se deleitar após o churrasco, um inspirador relato do John Deere Journal, espaço de conteúdos da fabricante de máquinas agrícolas, sobre a saga do empresário e agricultor Milton Fries, que transformou uma antiga área de erosão de sua fazenda no Araguaia em um enorme corredor ecológico com 720 hectares, conectando o Parque Nacional das Emas com o rio Araguaia, preservando suas nascentes. Joe Biden vai adorar essa história do nosso #agroresponsável.