Alertas sobre maior incidência de eventos climáticos extremos ressaltam a importância de dar escala a programas de boas práticas no agronegócio
Agropecuária e clima são temas indissociáveis. Não há conversa sobre plantio, colheita, engorda de gado ou qualquer outro tema relacionado à produção nas fazendas que não passe por questões de chuva, estiagem, geadas, queimadas etc. Se os eventos climáticos ficam mais frequentes e extremos, a conversa acompanha.
Os debates estão mais quentes e opiniões divergentes e improdutivas muitas vezes tomam mais tempo do que aquela em torno de consensos e soluções. Na semana em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) divulgou mais um relatório apontando os desafios em relação ao clima da Terra nos próximos anos, eventos climáticos extremos aumentam.
Mas é importante que aproveitemos a oportunidade para analisar o amplo cardápio de possibilidades que a ciência oferece para fazer do agronegócio brasileiro um grande agente positivo na busca de um equilíbrio entre produção e preservação ambiental. E, sobretudo, discutir o que é preciso fazer para que essas opções deixem de ser parte do processo produtivo de um grupo mais restrito de agricultores e pecuaristas para se tornarem o padrão do setor.
A conversa que se propõe aqui parte de alguns pressupostos:
- O clima afeta a todos. O agronegócio, em particular, é um dos setores mais impactados, como sinaliza o próprio relatório do IPCC. Agricultura e pecuária estão entre as atividades mais vulneráveis ao clima e têm sofrido perdas severas com a frequência cada vez maior de eventos climáticos severos. Longas estiagens, muitas vezes, são potencializadas por ondas de frio, em que geadas queimam ainda mais lavouras e pastos, transformando a vegetação em material combustível e aumentando a ocorrência de focos de incêndio no campo.
- Produtores e a indústria ligada ao agro, por consequência, estão entre os maiores interessados em buscar soluções que mitiguem essas perdas.
- O impacto no campo gera uma cadeia de más notícias que vão muito além da porteira. Assim, é importante um olhar mais amplo para a questão. A diminuição de produtividade afeta não somente a questão econômica do produtor rural, mas se reflete no aumento nos preços dos alimentos, trazendo insegurança alimentar.
A indissociabilidade entre clima e agro é a mesma que existe entre agro e a sociedade. Ou seja, devemos buscar soluções conjuntas, na linha do “me ajude a te ajudar”. Sabemos, por exemplo, que o Brasil (e o agronegócio brasileiro, por consequência) será ainda mais pressionado em relação ao tema desmatamento. Ao mesmo tempo, é preciso considerar que a crescente demanda global por alimentos deve pressionar a expansão do cultivo de soja, prevista em 7,2 milhões de hectares até 2030, segundo estimativas da Conab (2019). Em decorrência disso, ONGs internacionais estimam que, seguindo os padrões atuais de crescimento, essa expansão resulte na conversão de mais 2,2 milhões de hectares de vegetação nativa.
Temos, assim, um dilema que precisa ser analisado pelas duas pontas. O agro que é desafiado a produzir mais tem de ser estimulado a fazer isso sem avançar sobre novas áreas. Temos tecnologia disponível para isso – e pesquisas para desenvolver ainda mais soluções. Mas elas custam. Produzir certo começa pela vontade do produtor, mas depende da viabilidade econômico-financeira. E aí é necessário o envolvimento de muita gente além das porteiras, revertendo a cadeia de más notícias em um círculo de ganhos.
Empresas que atuam no agro, por exemplo, devem apoiar boas práticas e incentivá-las junto a seus fornecedores. Temos muitas inciativas já em execução, mas a maioria programas localizados e com números restritos de produtores. Elas precisam ganhar escala, estar acessíveis a mais propriedades rurais. Já as empresas que incentivam os agricultores a adotarem boas práticas precisam que seus produtos “responsáveis” sejam valorizados pelos consumidores.
Oportunidades de negócios e benefícios reputacionais são gerados conforme o setor se alinha com a agenda de responsabilidade socioambiental. Traders podem criar relacionamentos contratuais mais longos com produtores e melhorar o acesso a mercados mais exigentes ao apoiar seus fornecedores com assistência em sustentabilidade e adotar ferramentas de transparência das suas cadeias de fornecimento.
Mecanismos financeiros que estão emergindo para auxiliar produtores a expandir sua área de soja sobre áreas já abertas e focados em aumento de produtividade podem exercer papel fundamental. Aumentar a produção de soja brasileira sem desmatamento requer expandir em áreas já abertas: as pastagens.
O ciclo virtuoso poderia, então, transformar a pecuária. Para isso, é necessário investimento em tecnologia para aumentar a produtividade do setor, para que, com a intensificação da produção, seja possível liberar áreas já abertas para a expansão agrícola enquanto sustenta – e potencialmente até aumenta – os atuais padrões da pecuária de corte.
Na área financeira, é fundamental a consolidação do mercado de empréstimos de longo prazo para produtores. Isso permitirá que a expansão da produção de soja ocorra em pastos degradados e que haja a adoção de melhores práticas, a fim de aumentar a produtividade das áreas sem que haja conversão de vegetação nativa.
O Brasil já demonstrou ter capacidade para produzir ciência e aplicá-la. Nossos compromissos internacionais relacionados ao ambiente – como os do Acordo de Paris – incluem ações com enorme potencial na combinação de produtividade e preservação, como o Plano ABC (agricultura de baixo carbono) e programas de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). O ponto central é que eles precisam ser ampliados de forma significativa para que atinjam as metas previstas nesses compromissos. Com ajuda de todos, o agro brasileiro pode ajudar o mundo.