Não é apenas de recursos que se trata o Plano Safra. Fica a sensação de que ele poderia sinalizar como o país pretende se tornar uma potência agroambiental
Enquanto as máquinas trabalham no campo, a calculadora não para no escritório. É tempo de fazer contas nas fazendas, organizar o planejamento financeiro para custear uma nova safra – isso em meio a um cenário ainda mais desafiador, com incertezas globais e juros em alta.
O balizador da matemática em curso é o Plano Safra 2022/23, anunciado no final de junho pelo governo federal. Entre o possível e o desejável, os valores e os juros para os diferentes programas oficiais de crédito rural refletiram, de certa forma, a conjuntura econômica no país e no mundo.
Mas não é apenas de recursos que se trata o Plano Safra. Os números ali contidos são também um indicativo do direcionamento das políticas agrícolas adotadas pelo governo federal. E é nesse ponto que fica, porém a sensação de que poderia haver uma sinalização mais eloquente de que o Brasil pretende se posicionar como uma potência agroambiental.
Vamos aos fatos. A primeira indicação passada pelo novo Plano Safra é de valorização do agronegócio. Com um total de R$ 340 bilhões destinados ao financiamento do setor, ele atinge um novo recorde de recursos, com um montante 36% ao do período anterior. Considerando uma inflação de cerca de 12% nos últimos 12 meses, trata-se de um aumento real expressivo.
Há, portanto, muito mais dinheiro sobre a mesa. Mas seu preço está mais alto. Quando o Plano Safra 2021/22 foi anunciado, há um ano, o país iniciava um período de escalada nas taxas de juros. A Selic, taxa básica do Banco Central, estava em 4,25% em junho de 2021. Hoje, está em 13,25%.
Com isso, acessar qualquer das modalidades de crédito disponíveis ficará bem mais caro doque era em anos anteriores. Embora menores que o da Selic, as taxas que antes variavam entre 3% (para produtores do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf) e 8,5% (para cooperativas e demais produtores), agora partem de 5% e chegam a 12%, respectivamente – isso sem contar os custos adicionais das operações de crédito.
É quase um consenso que, nesse aspecto, o Plano Safra 2022/23 se enquadra na categoria do que foi possível fazer. Quando se analisa de que forma os recursos foram divididos, surgem alguns questionamentos. O Ministério da Agricultura anunciou que os recursos com juros controlados crescerão 18% e os subsidiados aumentaram 31%. Nos dois casos, a elevação é proporcionalmente menor ao crescimento total dos recursos (36%).
Isso significa que há mais dinheiro para as linhas com juros livres, que cresceram 69%. “A gente (setor agropecuário) precisaria ter mais crédito com juros adequados ao mercado, em função de todos os fatores, como clima, guerra, e questões sanitárias, por exemplo”, ponderou Alcides Torres, sócio da Scotch Consultoria, em entrevista ao Canal Rural.
Cenário semelhante verifica-se em relação ao crédito oferecido aos agropecuaristas dentro do Programa de Agricultura de Baixa emissão de Carbono (Plano ABC). Apresentado como uma das principais vitrines do moderno agronegócio brasileiro e também como uma das mais eficientes ferramentas para que o país atinja suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, era de se esperar que fosse incentivado com um volume mais generoso de recursos, além de taxas mais atraentes.
Houve crescimento no volume (23%), mas inferior à média total. Com R$ 6,19 bilhões voltados ao financiamento das ações ligadas ao programa, o Plano ABC não atinge sequer 2% da dotação do Plano Safra 2022/23. As taxas de juros serão de 7% ao ano para ações de recomposição de reserva legal e áreas de proteção permanente e de 8,5% para as demais.
Perde-se, assim, a oportunidade de se dar uma mensagem ao mundo de que o Brasil premia os produtores responsáveis e estimula a adoção de práticas como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta ou a restauração de pastagens degradadas.
Valorizar a agropecuária responsável com recursos subsidiados é um investimento com impacto econômico já contabilizado, além do retorno ambiental e social. Estudo realizado por pesquisadores da Esalq/USP aponta que, entre 2010 e 2018, apenas as tecnologias de recuperação de pastagens geraram, graças ao ganho de produção nessas áreas, um aumento de 0,31% no PIB brasileiro. Isso equivale a um total de R$ 17 bilhões no período analisado – em que ações como essas ainda eram aplicadas em áreas bem inferiores às atuais. E considera apenas uma das sete tecnologias englobadas pelo Programa ABC.
Aspectos como esse precisam ser considerados a cada Plano Safra. Mais do que um instrumento de financiamento, trata-se de uma ferramenta de política pública, com poder de direcionar o desenvolvimento. Se queremos seguir no sentido do desenvolvimento sustentável e incluir cada vez mais produtores rurais nessa caminhada, crédito rural atraente pode ser o chamado que falta.
Também na área privada, os mecanismos financeiros que valorizem a produção responsável e os ativos ambientais das propriedades rurais precisam ser multiplicados e democratizados. Iniciativas como o CRA Verde.Tech, fruto de uma parceria da Produzindo Certo com a Traive e a Gaia Impacto, oferecem soluções alternativas aos produtores, sobretudo em tempos de juros em alta. Afinal, a sustentabilidade nas fazendas passa obrigatoriamente pela calculadora do produtor.