Por que o produtor precisa de uma nova abordagem no financiamento da produção
Esta edição da série Notícias Responsáveis traz um artigo sobre um tema que tem preocupado o meio rural como um todo: o crédito agrícola. O texto abaixo é uma contribuição de Thiago Brasil, diretor financeiro da Produzindo Certo, com profundo conhecimento do tema e sua conexão com a produção responsável. Boa leitura.
Quando se fala em sustentabilidade, quem pensa apenas em meio ambiente perde uma parte importante da conversa. Aspectos ambientais são cruciais – e serão cada vez mais cobrados de todos os setores econômicos –, mas há vários fatores em jogo para que os negócios se mantenham saudáveis, trazendo contribuição não só para os seus proprietários e acionistas, mas também para a sociedade como um todo. Não há empresa sustentável sem que esteja, por exemplo, suas finanças em dia. Da mesma forma, não há produtor rural responsável sem os recursos necessários para que ele financie e execute suas operações agrícolas dentro do que ensinam as melhores práticas produtivas e socioambientais. Quando o crédito falta ou fica mais caro, o desafio, que já não é pequeno, fica ainda maior.
É este cenário, de maior incerteza financeira, que se desenha para 2022 no campo. Depois de safras positivas, com produtividade e preços agrícolas em alta, o clima – e aqui a palavra se aplica em duplo sentido, meteorológico e econômico – mudou. Estiagens no Sul e chuvas em excesso em outras regiões provocaram quebras importantes nos resultados da safra de verão. Em outra frente, a inflação dos insumos, alimentada pelo câmbio e alta demanda global, elevou os custos de produção. A conjuntura macroeconômica também já se mostrava desfavorável, com a escalada das taxas de juros nos últimos meses.
Em meio a essa tempestade quase perfeita, uma torneira importante na irrigação do setor com recursos para o custeio fechou-se em um momento particularmente sensível para a maior parte dos agricultores, a janela que compreende a colheita da safra de verão seguida do plantio da safrinha. A alta dos juros consumiu os recursos que o governo havia reservado no orçamento federal para fazer a equalização das taxas pagas aos agentes financeiros que concederam créditos subsidiados, previstos no Plano Safra, aos produtores rurais. Por conta disso, o Tesouro Nacional determinou a suspensão temporária, em fevereiro, da concessão de novos créditos.
Não se trata de um fato inédito. No ano passado, houve movimento semelhante do Tesouro, que também suspendeu os subsídios por não ter recursos para bancar a diferença entre as taxas de mercado e as previstas no Plano Safra. A diferença, em outras ocasiões, foi o momento em que isso aconteceu. Em 2021, a safra estava no final e a interrupção teve menor impacto nas decisões dos produtores. Desta vez, porém, o timing foi cruel. Segundo a Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA), já foram empenhados mais de 99% dos R$ 7,83 bilhões que haviam sido destinados à equalização dos juros. E seriam necessários mais R$ 3 bilhões para impedir que a safra seja prejudicada.
Ainda que o governo encontre uma solução e, como é provável que aconteça, realoque recursos para garantir as taxas subsidiadas, o episódio deixa no ar uma sensação de incerteza e uma percepção de que o assunto crédito precisa ser visto com outros olhos pelos produtores. Os recursos do Plano Safra, emprestados a taxas que vão de 4,5% (Pronaf) a 6% (Pronamp) são, sem dúvida, uma opção relevante para o custeio agrícola. A questão é que eles são limitados e sujeitos a fatores que fogem do controle das autoridades do setor. E, quando ele falta, recorrer a alternativas tradicionais pode sair caro, superando a casa dos 20% ao ano.
Uma torneira se fecha, outra se abre
Há uma brecha de céu azul, porém, nesse cenário cinzento. Momentos particularmente delicados costumam ser oportunidades para se olhar para o lado e testar soluções menos convencionais. Diante do aprendizado de que não se pode ficar excessivamente dependente de uma fonte de financiamento, conhecer e aprender sobre novos instrumentos financeiros disponíveis pode trazer ganhos em vários campos. Assim como ocorreu antes em outros setores da indústria financeira, o crédito e o seguro agrícolas passam por um processo de inovação graças à chegada às porteiras de empresas de base tecnológica focadas na automação, na desburocratização e no consequente barateamento de processos de análise de risco e crédito.
Isso permite que se abram, para o produtor rural, novas possibilidades de acesso ao capital. Operações estruturadas, como a emissão de CRAs, tornam-se mais atrativas para os investidores, sobretudo pelo fato de que, com melhor visão da gestão das propriedades, eles se sentem mais confiantes em emprestar aos produtores. Com ferramentas que permitem analisar com transparência também a situação socioambiental das fazendas e sua evolução, o que antes era visto como uma caixa preta pelos donos do dinheiro, agora pode se transformar em uma caixa verde, que valorize a adoção de práticas ambientais, sociais e de governança no campo, revertendo-a em taxas mais atraentes para o produtor rural.
O CRA Verde.Tech, desenvolvido pela Produzindo Certo em parceria com a fintech Traive e securitizadora Gaia Impacto, é uma demonstração real de que há caminhos possíveis e desejáveis. Ao mesmo tempo em que os recursos ficam mais escassos nas vias tradicionais, a combinação de bons indicadores ambientais, sociais e financeiros é cada vez mais cobrada e valorizada pelos agentes financeiros. Assim, apurar a gestão, conhecendo mais a fundo cada aspecto da propriedade em todas essas áreas, é a chave para superar os desafios que estão diante de nós.