A conta da água: crise hídrica preocupa - Produzindo Certo
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A conta da água: crise hídrica preocupa

A gestão responsável do agronegócio não pode abrir mão de buscar um conhecimento mais profundo da situação hídrica em cada fazenda

Que a água é fundamental para a agropecuária, ninguém discute. Sem ela, não há vida, não se planta, não se cria. Ainda assim, não seria exagero dizer que talvez tenha sido, ao longo dos 12 mil anos de agricultura, o item mais subvalorizado entre os insumos necessários para a produção. Mas temos recebido sucessivos alertas de chegou a hora de rever essa conta.

A crise hídrica que bate às nossas portas e porteiras é apenas mais um desses avisos de que devemos estar atentos e preocupados em conhecer melhor as relações entre consumo e disponibilidade dos recursos hídricos nas cidades e nas áreas rurais, dedicando um olhar profundo e ao mesmo tempo prático ao tema.

No Brasil, abastecido por 12% de toda água doce do planeta, nem sempre fica claro que esse insumo vale muito, assim como tem valor o serviço ambiental de protegê-lo e, por que não, produzi-lo. Uma grande questão dos nossos tempos é desenvolver modelagens que atribuam esses valores de forma justa e clara, capaz de ser compreendida por todos, do campo ao prato.

Nas cidades, falar em conta da água é corriqueiro. Todos entendem que o ato de abrir uma torneira é a ponta final de uma cadeia produtiva que envolve captação, tratamento e distribuição de um produto. Nem sempre se atenta, porém, para o que vem antes disso, nas zonas rurais onde estão as nascentes, muitas delas dentro de propriedades privadas.

Também há muito desconhecimento e desinformação sobre o uso da água nas fazendas. Sabe-se pouco porque se mede pouco. Para conhecer, tem que mensurar. É a partir dos dados obtidos que se pode pensar na efetiva gestão desses recursos, analisando os riscos e as oportunidades decorrentes da oferta e da demanda de água em cada propriedade, região ou mesmo em todo o país. Os dados permitirão entender se algo está ocorrendo de errado ou como um produtor pode contribuir para que haja um equilíbrio saudável entre disponibilidade e uso dos recursos.

PROJETO PILOTO

A gestão responsável do agronegócio não pode, assim, abrir mão de buscar um conhecimento mais profundo da situação hídrica em cada fazenda. Atualmente, a água já é objeto das avaliações ambientais realizadas nas propriedades participantes da Plataforma Produzindo Certo, mas a partir de um critério qualitativo. Em um futuro breve, esperamos poder analisar também o balanço hídrico de cada uma delas, identificando tendências e riscos na oferta desse insumo.

Através de uma parceria com o pesquisador Peter Cheung, Phd em Hidrologia e fundador da Optimale Tecnologia, implantamos este ano um estudo que utiliza dados de disponibilidade hídrica para criar um indicador que permita quantificar o risco hídrico da propriedade.

Iniciado há cerca de três meses, o projeto piloto avalia as áreas de fazendas integrantes da PPC no Mato Grosso, mapeando os rios que as cortam, os impactos entre bacias, e analisando dados públicos disponíveis, séries históricas de pluviosidade, imagens de satélite, sensores, documentos de outorgas da Agência Nacional de Águas (ANA) ou de secretarias estaduais. Uma vez coletados os dados, um time de engenheiros liderados por Cheung usará técnicas de modelagem e simulação hídricas que permitam analisar cenários com base nessas informações.

Os principais desafios do trabalho estão justamente na escassez de dados históricos que possibilitem estabelecer padrões e, a partir deles, fazer previsões sobre a disponibilidade hídrica, seja ela superficial, seja nos aquíferos que abastecem as bacias. Para o estudo utiliza-se, por exemplo, softwares internacionais especializados nesse tipo de mensuração, mas nem sempre se consegue, no Brasil, as informações suficientes para quie eles façam as análises desejadas. “Seguimos um passo a passo até chegar a um escore confiável. Depois, publicaremos o estudo em artigos científicos para que, no futuro, a Produzindo Certo possa adotar e inserir esse indicador na plataforma”, afirma Cheung.

O VALOR DA INFORMAÇÃO

O diagnóstico socioambiental realizado pela Produzindo Certo nas propriedades inscritas na sua plataforma é apenas o ponto de partida para um processo de melhorias contínuas em busca de uma produção cada vez mais responsável. Ele serve de base para a elaboração de planos de ação a serem executados pelos produtores, sempre de acordo com suas prioridades e possibilidades.

Inserir um indicador específico para a disponibilidade hídrica pode, assim, introduzir ações específicas de sustentabilidade que venham por exemplo, a ajudar na recarga de aquíferos, além de trazer informações relevantes para que agricultores e pecuaristas possam fazer planejamentos mais assertivos de seus investimentos e da sua produção.

“A chave da propriedade para lidar com a água é o manejo do solo”, afirma Charton Locks, COO da Produzindo Certo. “Manter o solo sempre coberto, utilizar corretamente técnicas de curvas de nível e proteger a vegetação nativa, impacta tanto na qualidade quanto na quantidade da água que circula pela propriedade ”.

A lógica desse manejo é fazer que, ao invés de escorrer por cima do solo, carregando matéria orgânica e nutrientes em enxurrada em direção aos rios, a água penetre no solo e escoe por baixo, recarregando os lençois freáticos. “Uma importante métrica hídrica a ser avaliada em uma propriedade é o tempo que uma gota de água de chuva que cai na parte alta da fazenda leva para chegar ao rio. Quanto mais tempo, melhor”, diz Charton.

Assim como têm valor para o produtor, indicadores hídricos confiáveis também têm potencial para atrair recursos de investidores e empresas parceiras. A menção a métricas que tratam de água tem sido cada vez mais frequentes em relatórios de investidores e em compromissos de empresas junto ao público ou na captação de fundos através de títulos verdes. Entretanto, em função da falta de dados disponíveis e verificáveis, muito do que se utiliza atualmente como referência é baseado em informações declaratórias.

Novas metodologias que permitam chegar a esses índices podem agregar valor ao trabalho de preservação feito por produtores responsáveis, gerando um novo ativo a ser considerado, assim com o carbono, ao se calcular possíveis pagamentos por serviços ambientais (PSA).

“Toda ação que uma fazenda na cabeceira de uma bacia promover tem de ser reconhecida e monetizada, para que ela continue preservando a água, para que isso não impacte o abastecimento público ou geração de energia”, afirma Cheung.

PRODUTOR DE ÁGUA

O conceito de produtores de água não é novo. Nem por isso é devidamente reconhecido. Hoje, é aplicado em algumas poucas regiões pelo Brasil, em geral graças ao trabalho de comitês de bacias mais ativos e localizados em pontos com grande número de consumidores de água, residenciais e industriais. Com grande demanda e oferta limitada, bacias específicas como a dos rios Paraíba do Sul (nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e Piripau (no Distrito Federal) implantaram modelos de PSA para proprietários rurais que preservam a vegetação nativa nas áreas de nascentes, mananciais ou matas ciliares.

Multiplicar esses exemplos e leva-los a pontos em que não exista a concentração de indústrias e pessoas exige conscientização sobre a interdependência das bacias e da influência das águas, mesmos mais distantes, na formação do clima. Assim, a preservação e a produção de água na Amazônia, por exemplo, passará a ser vista como um serviço valioso. Desenvolver metodologias que permitam a verificação desses serviços dará confiança ao mercado de que essa conta da água é justa e que o produtor responsável merece receber por ela.