Edição especial do Vozes Responsáveis, da Produzindo Certo, reuniu especialistas do Brasil e dos EUA e reforçou a preocupação do agro com o tema, além de apontar caminhos para um manejo integrado e mais eficaz do fogo
O meio do ano chegou e avançamos no período de seca com um cenário desfavorável. A seca prolongada, com chuvas abaixo da média nos últimos meses, especialmente nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, colocam em alerta produtores rurais, comunidades e órgãos públicos.
Há enormes desafios como as tristes imagens do ano passado no Pantanal não nos deixam esquecer somada a poucos recursos em investimento em prevenção ao longo do ano e uma estigmatização do agronegócio. Mas também há caminhos que alimentam a esperança de um melhor gerenciamento do fogo e redução das áreas queimadas.
E, não, o fogo não é sempre um vilão. Ele pode, inclusive, auxiliar o manejo preventivo e evitar a ocorrência de incêndios de grandes proporções. Essa discussão aberta, com a participação de especialistas em incêndios florestais do Brasil e dos Estados Unidos e representantes de elos importantes da cadeia, como o produtor rural, a indústria e poder público, fez parte da edição especial da série de lives VOZES RESPONSÁVEIS AO VIVO, que a Produzindo Certo realizou no último no dia 1º de junho. O tema: O Agro e o Fogo.
“O objetivo é justamente trazer o assunto antes que a emergência consuma a todos, que a gente perca a capacidade de discutir com a serenidade necessária”, comentou Luiz Fernando Sá, sócio da agência AgTalk, um dos idealizadores da série e que mediador do encontro virtual.
A organização do evento contou com a parceria da Brigada Aliança, o grupo que há cerca de uma década é especialista na prevenção e combate a incêndios florestais. Treinado pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos, a Brigada usa seu conhecimento para orientar produtores rurais, povos indígenas do Alto Xingu, além de atuar em conjunto com órgãos estaduais no combate a incêndios em áreas de unidades de conservação e de comunidades locais.
Comandante da Brigada, Edimar Abreu lembra que o prejuízo com o fogo é de todos. “Sempre orientamos os produtores em capacitação do seu quadro funcional e investir na prevenção, na estrutura local da propriedade. (…) E percebemos que dentro das áreas indígenas isso começou a ser um problema muito sério também. No passado, eles faziam roçado, queimava sem nenhum tipo de prevenção e o incêndio não se alastrava na floresta. No decorrer dos anos isso foi mudando, o solo foi ficando muito mais seco, a floresta foi perdendo umidade e os incêndios começaram a se alastrar nas propriedades. Eles têm sido muito receptivos, atuado de forma técnica e analisando a cada ano junto conosco esse tema”, afirma Edmar Abreu, comandante da Brigada Aliança.
Para debate, trouxemos diferentes ângulos de visão sobre o tema: produtores, representantes de governos, da indústria, além de quem atua na linha de frente da prevenção e do combate aos incêndios florestais. Agricultor e pecuarista, Guilherme Pinezzi, da Fazenda Esperança, no Mato Grosso, por exemplo, ressaltou que um estigma recai sobre quem vive no campo: a falta de conhecimento, por parte de quem está longe das áreas rurais, sobre a relação da produção com o fogo.
“O fogo tem um prejuízo incalculável. São anos para se recuperar uma matéria orgânica no solo, por exemplo. Produzimos soja e, onde você faz o plantio direto, constrói um perfil de solo em 20, 30 anos. Imagina perder isso em poucos minutos?”, explica ele que é da região do Araguaia, que sofre a cada ano diante dos riscos de incêndios.
O ponto vista governamental foi trazido por Flávio Lopes Ribeiro, que tem mais de 10 anos de experiência em redução de riscos de desastres na América Latina e em janeiro foi contratado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad-GO) para fazer um plano mais eficaz para prevenir incêndios florestais no estado.
“É muito injusto achar um culpado só. A gente sabe que existe uma lacuna de políticas públicas eficientes e eficazes para lidar com prevenção e, um pouco mais além, com o manejo integrado do fogo. Se a gente não desenvolver políticas públicas adequadas para cada região do Brasil, que são muito diferentes, a gente não vai ajudar em nada para essa discussão ou para que o produtor rural saiba utilizar o fogo, tenha parâmetros, tenha orientação e apoio técnico para fazer isso”, ensina ele, que é superintendente de Unidades de Conservação e Regularização Ambiental da Semad-GO.
“O caminho é o da inclusão, da conscientização, o caminho está na assistência técnica. E qual é o papel da indústria? É chegar nesses produtores, oferecer essa ponte que muitas vezes ali no dia a dia eles não conseguem alcançar. A Produzindo Certo vem trazendo essa capacitação para a indústria. A JBS tem disponibilizado as unidades produtivas próximas a locais de incêndio para que a gente amplie esse trabalho”, afirmou Liège Vergili Correia, gerente Executiva de Sustentabilidade da JBS, que trouxe o olhar corporativo para o debate.
Também há boas notícias
Com a experiência de combate a incêndios nos EUA há décadas e o conhecimento e apoio aos brasileiros, Jayleen Vera destaca a importância de pensar no longo prazo e no planejamento contínuo, incluindo sistemas, capacidade de resposta, preparação. “Um dos esforços é dar oportunidades para os brigadistas, que conhecem o fogo, trabalhem todo o ano. Tirar um pouco do sentido de emergência e colocar um pouco mais de estratégia”.
Jayleen é coordenadora do Programa de Incêndio para a América Latina e Caribe do Serviço Florestal Americano (USFS) e já visitou o Brasil muitas vezes para acompanhar e treinar brigadistas. Ela consegue enxergar um viés positivo, de evolução no tratamento da questão no cenário brasileiro. “Nos EUA, nossa história é lutar contra o fogo. (somos muito bons) em combater o fogo, aperfeiçoar nossas tecnologias, nosso ataque aéreo. Onde ainda estamos atrás é trabalhar na prevenção, no manejado integrado”.
Jayleen fez uma analogia entre a situação brasileira e a americana nas ações preventivas e de combate. “Na Califórnia temos uma complicação. Muitas pessoas são contra as políticas. Essa luta é difícil. Em um espaço curto de tempo, cinco a dez anos, percebi uma mudança de paradigma no Brasil, de querer conhecer esse manejo integrado de fogo e entender uma situação bem mais complexa. Nos EUA esse processo tem 100 anos”, argumenta a especialista norte-americana.
Um estudo publicado nesse ano, realizado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG demonstrou o custo e a efetividade do investimento em manejo dos incêndios florestais na Amazônia e no Cerrado. Se, por um lado, o estudo confirmou que se investe muito pouco em prevenção e manejo, também conseguiu calcular os benefícios desse investimento quando realizado de forma planejada, integrada e sistemática. Segundo o estudo que analisou dados de 2012 a 2016, são investidos cerca de 0,5 dólar por hectare na Amazônia, e 5 dólares por hectare no Cerrado. Apesar de pequeno, esses recursos geraram uma redução de 18% das áreas queimadas na região do Cerrado.
Para reforçar o quanto práticas combinadas de manejo e prevenção levam a significativas reduções de áreas atingidas por incêndios, os pesquisadores avaliaram as propriedades que fazem parte da Plataforma Produzindo Certo. “Particularmente nas propriedades que compõem a Plataforma Produzindo Certo, o investimento (de 16 dólares por hectare) demonstrou que conseguimos reduzir 50% das áreas queimadas”, contou a pesquisadora Aline Oliveira, uma das líderes do estudo, que enviou um vídeo para o bate-papo com os especialistas.
“É entusiasmante ver a ciência chancelando o empenho e o esforço socioambiental dos produtores rurais. Esse é o agro que poucos conhecem e que a gente tem o dever de comunicar”, destacou Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.
Flávio Ribeiro, da Semad-GO, reforçou que não é possível fechar os olhos para a prática de uso do fogo, ainda comum e cultural em muitas comunidades tradicionais ou pequenas propriedades.
“É irreal pensar em fogo zero em regiões onde ecologicamente o fogo é benéfico. Populações tradicionais utilizam há muito tempo. A gente precisa incluir dentro das nossas políticas públicas o resgate dessa sabedoria. Tem locais em que ele vai ajudar a prevenir incêndios florestais. A gente acabou de fazer queimas prescritas em cinco unidades de conservação em Goiás, junto com o Ibama. E com a Universidade Federal de Goiás estamos desenvolvendo o estudo de tudo isso que a gente fez: os locais, as diferentes fitofisionomias do Cerrado, como elas respondem, como elas se recuperam. E vamos divulgar esses estudos inclusive para esses produtores rurais, para eles terem base para usar o fogo”, explica.
Mais brigadistas contra o fogo em campo
Um programa lançado pela Brigada Aliança nesse ano é a criação de núcleos em novas regiões, em parceria com grupos de produtores rurais que possam ajudar a manter brigadistas reinados e que vão trabalhar com treinamento dos trabalhadores, monitoramento e também, quando necessário, no combate ao fogo.
O projeto busca parcerias de produtores, empresas interessadas em apoiar sua cadeia fornecedora e mesmo órgãos públicos, para aumentar esse apoio especializado e comprovadamente eficaz, como mediu o estudo da UFMG, para conseguir levar mais tranquilidade para quem vive no campo, mais conservação para a floresta e segurança para todos.
“É importante frisar o quanto um incêndio dentro de uma propriedade pode trazer prejuízo economicamente falando, para os produtos rurais. Mas por oura forma, o fogo pode ser um aliado da conservação se bem manejado”, resumiu Aline Locks ao apresentar a live.
Confira a íntegra do bate-papo virtual O Agro e Fogo no canal da Produzindo Certo no YouTube.