Muito além da geração créditos de carbono - Produzindo Certo
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Muito além da geração créditos de carbono

 

Por que é preciso repensar e ampliar o modelo de geração de créditos para quem presta serviços socioambientais relacionados ao carbono

Há algumas décadas produtores rurais e empresas do agronegócio comprometidos com as melhores práticas socioambientais levantam a bandeira de que é justo remunerar aqueles que, ao produzir de forma responsável e conservar áreas de reservas nativas em suas propriedades, prestam um serviço adicional a toda a sociedade. Recentemente, os chamados pagamentos por serviços ambientais (PSA), entraram definitivamente na pauta de governos, empresas, produtores e entidades envolvidas com o agronegócio. Houve avanços inegáveis, como demonstram as recentes operações financeiras baseadas em títulos verdes vinculados à produção responsável. Entretanto, ainda é um grão de terra em um solo fértil – e repleto de questões a serem resolvidas.

Um dos pontos mais relevantes (e talvez menos discutidos) desse novo cenário é a “carbonização” da pauta socioambiental. A criação e o desenvolvimento de um mercado ativo de créditos de carbono são positivos, mas podem se transformar em uma panaceia se não encararmos algumas realidades palpáveis, sobretudo quando falamos do agronegócio. Olhando pela ótica das regras atuais desse mercado, a comoditização do carbono é insuficiente e, por exemplo, para remunerar de forma justa e viável o empenho socioambiental de grande parte dos produtores rurais, sobretudo aqueles com histórico mais longo de respeito às exigências legais na preservação de áreas com matas nativas, nascentes de águas, biodiversidade e, é claro, nas relações com trabalhadores e as comunidades no entorno de suas propriedades.

Muita gente ainda sonha com os tais créditos de carbono, mas talvez já seja hora de sonhar ainda maior, muito além do carbono. Incluir outros ativos na conta dos pagamentos de serviços socioambientais, mais que um desejo, é uma forma de tornar mais justa e verdadeiramente sustentável essa ferramenta. Por esse motivo, nós, da Produzindo Certo, já demos um próximo passo, com o início da estruturação de um robusto grupo de estudos para apontar caminhos que nos permitam desenvolver mecanismos para verificar e criar parâmetros para valorar e fazer com que esses ativos sejam reconhecidos.

A CONTA NÃO FECHA

No modelo atual de remuneração do mercado de carbono, os produtores brasileiros acabam saindo um pouco prejudicados em função da nossa legislação. Ela já os obriga a manter percentuais de reserva legal e, assim, um estoque de carbono em sua propriedade. O problema é que os créditos de carbono só são gerados a partir do que for além da exigência legal.

A emissão de um crédito verificado de carbono pressupõe ter uma linha de base, a partir da aferição do status atual que sua produção está. A partir dessa base, monitora-se ao longo do tempo para verificar o quanto você foi além dela. Isso significa que todo o investimento que o produtor rural fez no passado, antes da aferição da linha de base, em termos de tecnologias que contribuem para uma agricultura de baixo carbono, não é elegível, não é visto como adicional e, portanto, não gera crédito.

Vejamos a comparação de dois produtores com perfis diferentes. O primeiro produz com uma pastagem altamente tecnificada, faz integração lavoura-pecuária-floresta, plantio direto, tem taxa de lotação altíssima. Com isso, sua operação resultou em um solo rico em matéria orgânica e, portanto, rico em carbono. Para a geração de créditos de carbono, porém, ele é pobre. Isso porque sua a linha de base é tão alta que ele não teria o que adicionar.

Enquanto isso, um pecuarista cuja pastagem estava degradada, com solo pobre, vive a situação inversa. Ele tem condições de receber créditos, porque como ele está com uma baixa saturação de carbono no solo e, assim, consegue adicionar quantidades maiores ao longo do tempo.

Pode-se alegar que o modelo atual tem o mérito de incentivar quem está em desconformidade a buscar uma evolução e uma adequação às melhores práticas. Esse é, de fato, um aspecto muito positivo. O problema é que ele não reconhece o investimento de quem se dedica há anos a atingir a excelência.

Trata-se de um questionamento histórico da área agroambiental: por que o produtor que sempre fez a coisa certa acaba perdendo as oportunidades do ponto de vista do mercado ambiental? O estoque de carbono nas áreas de reserva em sua propriedade ou no solo é fruto de um esforço permanente e que gera resultado para todos. Não valorizar esse serviço de alguma maneira passa uma mensagem negativa, de que a consciência e o investimento socioambientais não compensam.

É fundamental que o produtor perceba que o meio ambiente é um bom negócio, para que ele se inspire e se esforce mais ao longo do tempo.

Mesmo para aqueles produtores capazes de gerar volumes significativos de créditos de carbono, na ponta do lápis o incentivo da remuneração não é da mesma ordem de grandeza da necessidade de investimento na conservação e nas adequações necessárias. Somente o custo de mensuração do carbono no solo, por exemplo, pode ser várias vezes superior ao valor do crédito obtido. Assim, em muitos casos, as operações são economicamente inviáveis.

A conta não fecha e, no comércio global, o comprador não diferencia as commodities conforme o ambiente em que são produzidas. Se compararmos essa mesma tonelada de soja com uma produzida no meio oeste americano, veremos que nosso produtor entrega muito mais para a sociedade como um todo. Da mesma forma, a Austrália não produz carne com tanta biodiversidade quanto o Brasil. Isso, mesmo com todas as dificuldades que o produtor brasileiro tem.

Vivemos, assim, uma contradição: Temos a produção que agrega mais ativos socioambientais por tonelada e somos reconhecidos como irresponsáveis do ponto de vista ambiental, como um local inseguro para compras de estrangeiros por conta da ameaça contra a biodiversidade.

Não é o caso de negar problemas existentes aqui ou defender que eles não devam ser abordados como tal. Mas de mostrar que quem conhece bem seu fornecedor conseguirá facilmente vincular aquela produção a um conjunto de valores ambientais e sociais.

UMA NOVA ABORDAGEM DE MERCADO

Precisamos incluir os ativos ambientais na mesa de discussão e dizer ao mercado: vocês não estão comprando uma tonelada de soja. Estão levando uma tonelada de soja que estoca toneladas de carbono, preserva milhares de árvores, conserva milhares de hectares da floresta de maior biodiversidade do mundo. Precisamos posicionar o produto do agronegócio brasileiro levando em conta os ativos socioambientais que existem aqui e são muito maiores que os dos nossos competidores.

A grande questão é como valorar esses ativos socioambientais, que vão além do carbono, além de, é claro, convencer os compradores da importância estratégica de pagar por eles. A economia do carbono foi baseada em outros setores, como o de energia. Não faz sentido apenas replicar o modelo no agronegócio. As premissas existem para todos os setores, mas a metodologia de valoração é diferente para cada setor. Apesar de se falar que o carbono está se commoditizando, cada projeto é um universo a parte. Cada crédito de carbono tem um custo diferente. Gerar uma tonelada de carbono no agro é diferente de gerar uma tonelada de carbono no setor de energia.

Para ir muito além do carbono, temos nos dedicado a olhar outros aspectos, que já são analisados nos diagnósticos socioambientais da Produzindo Certo, como água, solo, as questões sociais. Nosso score socioambiental traz um conjunto de mais de 70 indicadores e isso demonstra que há muito mais sendo feito pelos produtores do que simplesmente adicionar carbono. Acreditamos que tudo isso precisa entrar na conta – e é na sua mensuração e valoração que nosso grupo de estudos deve se concentrar.

É preciso olhar também além do mercado commoditizado de carbono. Existe um grande volume de recursos internacionais voltados a financiar novos modelos de produção responsável. Prova disso são experiências como o CRA Verde.Tech, fruto de uma parceria entre Produzindo Certo, Traive e Gaia Impacto, que considera o ativo ambiental da fazenda para obter financiamento a taxas competitivas para o custeio da propriedade.