O Brasil é um país fértil na produção de boas leis. Desde a Constituição de 1998, o país instituiu avanços no campo de direitos e garantias individuais que deram origem a um arcabouço legal moderno.
O direito à propriedade privada, por exemplo, é um preceito constitucional inalienável. No ambiente rural, mais do que uma garantia legal, é uma condição fundamental para investimentos, produtividade e, por que não, sustentabilidade no campo.
Não é possível falar de produção responsável sem falar de segurança. Mais do que rima fácil, a legalidade fundiária é ponto de partida para a boa governança presente na sigla ESG. Grilagem e invasões, muitas vezes acompanhadas de violência, colocam em risco não apenas uma propriedade, mas todo o ambiente que cerca o agronegócio. E onde há risco, pelo menos dessa natureza, não brota sustentabilidade.
Nas últimas semanas, o tema de invasões de propriedades rurais, que andou adormecido por algum tempo, voltou à pauta em diferentes fóruns de discussão. A ação de grupos invasores, em diferentes regiões do país, despertou o fantasma da insegurança, deixou produtores e empresas em alerta e mobilizou até mesmo parlamentares e governos estadual e federal.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, manifestou-se: “Em hipótese alguma vamos compactuar com invasão de terra produtiva”, disse na semana passada, em visita a uma exposição agrícola no Rio Grande do Sul.
O temor de invasões não é prerrogativa de produtores rurais. A vigilância ao cumprimento da lei não deve diferenciar a natureza da propriedade ou sua finalidade. Se condenamos a invasão de terras indígenas ou de áreas públicas destinadas à preservação ambiental, por exemplo, devemos repudiar com a mesma veemência o acesso não permitido a áreas privadas, independentemente da destinação dada a elas.
A lei discorre sobre a possibilidade de desapropriação de terras em casos específicos, seguindo o devido trâmite processual. Jamais, no entanto, abre brecha para sua ocupação por quem quer que seja. Assim como o garimpo em reserva ambiental, a produção de alimentos em propriedade alheia sem autorização configura uma ilegalidade.
A lei é fria, mas sua interpretação deve ser dinâmica e feita à luz de conceitos contemporâneos. Vamos nos ater ao termo “terra produtiva”, como citou o ministro Fávaro. Como defini-las? Certamente não se deve usar visões individuais nesse ponto. Uma área de florestas plantadas para fins de produção de celulose e papel, por exemplo, foi invadida recentemente sob a alegação de que deveriam ser usadas para outra forma de produção.
Há propriedades – ou parte delas – em que até por obrigação legal, nada se planta e nada se colhe. Serão vistas como improdutivas? Pela ótica de alguns grupos de invasores, áreas degradadas em reforma, reservas particulares e públicas com coberturas nativas poderiam ser apontadas como tal.
É preciso, no entanto, olhar com mais atenção. O reconhecimento do valor da conservação ou da recuperação de áreas deve estar permanentemente sobre a mesa. Muitas dessas terras aparentemente sem uso são altamente produtivas em insumos básicos para a agropecuária e também para populações urbanas. Além de estocarem carbono que, com sua derrubada, seria liberado para a atmosfera, abrigam nascentes e espécies animais e vegetais, contribuem para o equilíbrio climático. Produzem, portanto, água, biodiversidade e muito mais.