A notícia já era esperada. Sabíamos que ela viria e que era apenas questão de tempo. Ainda assim, há quem tenha se surpreendido quando, na terça-feira passada, 6 de dezembro, a União Europeia aprovou definitivamente uma nova regulamentação que proíbe a entrada, nos países que formam o bloco, de commodities produzidas em áreas de florestas que foram desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.
A lista de produtos incluídos na regra também não surpreende: soja, café, cacau, carne, madeira, borracha e óleo de palma, além de derivados desses, como chocolates, couros e móveis. Está tudo na pauta de exportação brasileira para os países europeus. Assim – e aqui também já era esperado –, um de nossos clientes mais importantes nos manda uma mensagem bem clara de fim de ano: para sermos felizes em 2023, vamos precisar ser mais verdes. Ou melhor: vamos precisar mostrar, com mais eficiência, que já produzimos certo.
O que pode ser visto como novidade no anúncio europeu são alguns detalhamentos da regulamentação, que ainda será votada individualmente pelos parlamentos de cada um dos países membros. Um ponto sempre polêmico é o fato de que a resolução não diferencia o desmatamento legal do ilegal, algo que a lei brasileira prevê. Por outro lado, a regra inclui apenas áreas de florestas, o que, no caso do Brasil, inclui Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, mas, por enquanto, deixa de fora biomas como o Cerrado.
O “por enquanto” deve ser destacado. Revisões da nova legislação já estão previstas para um ano após a sua entrada em vigor e, mais que possível, é provável que novos biomas sejam incluídos nas áreas consideradas restritas pela União Europeia. E, então, o Cerrado tem tudo para entrar na lista, seja pela pressão internacional, seja pela conhecida importância estratégica como a região de origem de algumas das principais bacias hidrográficas da América do Sul. Segundo maior bioma brasileiro, é um dos que apresenta maiores índices de conversão da vegetação nativa em lavouras – e aí, mais uma vez, é importante lembrar que, na norma europeia, não faz diferença se essa conversão é legal ou não aos olhos da lei brasileira.
Discurso antigo
O principal negociador do Parlamento Europeu, Christophe Hansen, deu um ar solene ao projeto, ampliando, porém, seu real impacto. “Espero que esta regulamentação inovadora dê impulso à proteção das florestas em todo o mundo e inspire outros países”, disse.
O termo inovador, porém, não cabe nessa situação. Com nova embalagem, a Europa reeditou um instrumento já usado em outras ocasiões: criar uma lista de bloqueio. Quem não se enquadra ao modelo, está fora. Trata-se de uma barreira ambiental, não de uma solução para reduzir o desmatamento. O primeiro efeito será excluir das importações europeias regiões de fronteira agrícola, é verdade, mas elas continuarão crescendo para atender outros mercados.
Os beneficiados devem ser produtores de regiões consolidadas, como o Sul do Brasil, que produzem em quantidade suficiente para atender às necessidades europeias, mas com um custo mais alto para o comprador. O desmatamento, por sua vez, continuará, até que o termo incentivo seja dito pelos próceres da União Europeia, ao invés apenas de restrição.
Sinal de alerta
Para atender à regulamentação, as empresas importadoras – que repassarão essa exigência a seus fornecedores – terão de providenciar uma declaração de diligência atestando que suas cadeias de fornecimento não contribuem para a derrubada de florestas. Quem não cumprir vai estar sujeito a pesadas multas.
As grandes empresas têm um prazo de 18 meses para se adequarem às novas regras. As de menor porte, 24 meses. Isso significa que teremos um período de transição, iniciado em 2023, para que as cadeias exportadoras aprimorem ou adotem sistemas de verificação e rastreamento, acelerando movimentos que já vêm ocorrendo, mas ainda forma localizada.
Mesmo tendo a opção de comprar de outras regiões, é possível que grandes traders e empresas de alimentos, líderes na aquisição e exportação de commodities brasileiras, amplifiquem experiências pilotos que já realizam e aperfeiçoar seus modelos de originação, sendo mais rigorosas na seleção de fornecedores. Novas tecnologias devem ganhar ainda mais espaço.
A questão que mais uma vez se impõe ao Brasil é a de utilizar mais esse aviso de que o mercado começou a mudar como gatilho para o desenvolvimento de uma estratégia real e factível de redução de desmatamento. A compreensão de que a decisão europeia pode ser seguida por outros importadores das nossas commodities – até a China já estuda meios de ser mais exigente em relação ao desempenho socioambiental ao comprar commodities como soja e carnes – deve ser meio caminho andado para que se implante políticas de incentivo à produção agropecuária responsável por pequenos e médios produtores. A mensagem nos foi passada em alto e bom som. Nós é que temos de fazer de 2023 um ano produtivo e feliz.