Na quarta-feira passada, 9 de novembro, um dia antes de embarcar para o Egito, onde participa da COP 27, o coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank, resumiu em uma frase uma característica que deve ser a marca da conferência do clima, organizada pelas Nações Unidas, este ano. “A COP nasceu como um encontro de ONGs e governos, mas agora é do setor privado”, disse ele ao participar de um painel no Summit Agronegócio Brasil 2022, promovido pelo Estadão.
Especialista nas relações comerciais globais do agronegócio, Jank é um atento observador dos movimentos das grandes empresas do setor. De fato, grande parte dos compromissos assumidos pelas nações nas edições anteriores só será cumprida com a ação efetiva do mundo corporativo. E, por isso, é menos no palco principal e mais nos eventos paralelos das duas semanas da COP 27 que se vê, na prática, os efeitos práticos de anos de debates e as respostas à urgência da implantação de medidas para reduzir e mitigar as emissões de gases de efeito estufa.
Para o agronegócio brasileiro, a COP 27 ganha relevância ainda maior do que teve em anos passados. “Essa edição será um farol para o nosso crescimento”, explica Jank. Pela primeira vez a conferência do clima coloca sobre a mesa a questão da segurança alimentar, sintonizando o tema com a agenda ambiental e também com a segurança energética. Quando se correlaciona os três temas, fica mais evidente o protagonismo brasileiro. E, então, os modelos já testados aqui para a produção responsável e a utilização de energias renováveis ganham espaço de destaque na grande vitrine da COP 27.
Do ponto de vista estatal, o Brasil está presente com um grande estande, em torno de 300 metros quadrados. Mas o período de transição de governo acabou esvaziando a participação do seu alto escalão, num movimento inversamente proporcional ao interesse sobre o direcionamento que a nova gestão dará ao cumprimento das metas já estabelecidas.
A bagagem dos nossos delegados oficiais foi carregada de informações sobre projetos no território da energia verde e o potencial do Brasil em ampliar nossa matriz energética sustentável – com destaque para hidrelétrica, solar, eólica e biomassa.
Outras iniciativas, encabeçadas por governos estaduais, entidades ou por grupos privados, se encarregam de apresentar a grande diversidade de programas já em execução que demonstram nossa capacidade de expandir o agronegócio responsável, reduzindo emissões e evitando novas frentes de desmatamento.
Um dos grupos mais ativos nesse sentido tem sido o que reúne grandes traders globais de commodities agrícolas. No centro do debate sobre como garantir a origem responsável dos produtos que comercializam, elas produziram um guia indicando caminhos para avançar no trabalho de construção de cadeias carbono neutro para as principais commodities.
Lançado na COP, o documento chamado de Agriculture Sector Roadmap to 1.5°C – Reducing Emissions from Land Use Change é assinado por 13 dos maiores grupos de alcance internacional e foi elaborado após a consulta a centenas de integrantes das mais diversas cadeias em que atuam, sobretudo as de soja, palma, carnes e cacau. A liderança da Produzindo Certo foi ouvida nesse processo, que estabeleceu critérios e ações com metas anuais para a contribuição desses grupos na implementação da transição para “um futuro amigo do clima”, conforme pontua o documento.
Reunidas em torno do Soft Commodities Forum, seis dessas traders – ADM, Bunge, Cargill, Cofco, LDC e Viterra – apresentam neste sábado, dia 12, no Egito, uma iniciativa que segue as diretrizes do roadmap: o programa Farmer First Clusters. O objetivo é promover um modelo financeiro para a produção de soja livre de desmatamento e de conversão no Cerrado brasileiro por meio de um investimento conjunto que proporcionará aos produtores de soja incentivos financeiros em quatro regiões específicas: oeste de Mato Grosso, sul do Maranhão, oeste da Bahia e Tocantins. A Produzindo Certo é uma das implementadoras do projeto.
A iniciativa parte do princípio de que a questão da conversão de vegetação nativa nas cadeias de fornecimento de soja é um desafio complexo que só pode ser enfrentado por meio da colaboração com diferentes elos e que só será possível evitar o desmatamento quando forem criadas condições econômicas que compensem o produtor pela decisão de não produzir em áreas que poderiam legalmente ser ocupadas por lavouras.
Reside aqui outro tema que, embora sempre bastante falado, ainda era inédito na pauta das COPs: a compensação de perdas e danos. Em outras palavras, a criação de mecanismos para países que historicamente emitiram mais carbono compensarem os prejuízos que sofrem hoje, com desastres naturais e pressões ambientais, aqueles que emitem menos. Não há um acordo sobre isso ainda, mas é um avanço ver que o item que entrou em discussão nesta COP 27.