O Plano ABC+, que acaba de entrar em vigor, indica o caminho para uma política agrícola capaz de atender às demandas de produtores e do mercado
Setembro de 2022 é um mês importante para o agronegócio responsável. Ele marca a entrada em vigor de ajustes no decreto que institui o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária.
O nome completo pouca gente conhece. A versão simplificada, Plano ABC, já está mais disseminada – talvez nem tanto quanto o desejado.
A nova edição do programa tem algumas novidades, assinaladas na marca com um sinal positivo. Agora, é Plano ABC+ e abrange (com pequeno atraso) o período de 2020 a 2030. O “mais” indica que o escopo do plano foi ampliado. Podemos entender que é ainda mais relevante, e não apenas para o agronegócio.
Ao criar condições para que a produção agropecuária assuma o papel de protagonista nos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa e sequestro de carbono, o Plano ABC demonstrou que, antes de ser um problema, o setor pode ser uma solução para empresas e governos que precisam implementar ações que garantam o cumprimento de seus compromissos ambientais.
O ABC+ amplia essa possibilidade e, por isso, merece ser avaliado em todo o seu potencial transformador. Mas para atingir esse potencial de forma plena, governos e empresas precisam responder a ele com mais ação e recursos.
UMA HISTÓRIA DE PIONEIRISMO
A primeira versão do ABC foi lançada em 2010 pelo Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (Mapa). Naquela época, o mundo já discutia a necessidade de descarbonizar as atividades econômicas, mas os alertas dos cientistas não encontravam tanto respaldo da população, de empresas e de governos como acontece hoje.
Ousado e inovador para o momento, o programa listou um conjunto de seis tecnologias agrícolas que, por seu contribuírem com a redução de emissões ou o sequestro de carbono, receberiam incentivo oficial na sua implantação por produtores rurais: recuperação de pastagens, plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, florestas plantadas, manejo de dejetos animais e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
A princípio, houve certa desconfiança. Poucos entendiam qual o real objetivo e o engajamento foi pequeno nos primeiros anos de vigência. Para o decênio 2010-2020, o Mapa estabeleceu como meta atingir pelo menos 35,5 milhões de hectares com sistemas agropecuários descarbonizantes, que utilizam pelo menos uma dessas tecnologias.
Em relação à descarbonização, os objetivos variavam entre 32 milhões de toneladas (pessimista) e 162 milhões de toneladas de CO2 equivalente retirados da atmosfera (seja por menor emissão, seja por sequestro no solo ou em plantas).
No ano passado, o balanço feito pelo ministério demonstrou que o potencial da ideia havia sido subestimado. O setor agro brasileiro implementou 52 milhões de hectares de sistemas descarbonizantes, o equivalente à área da Alemanha. A mitigação de emissões chegou a 170 milhões de toneladas de CO2.
O número expressivo representa cerca de 20% da área total utilizada por atividades agropecuárias e de florestas plantadas no Brasil (que supera 256 milhões de hectares, segundo dados da Embrapa Territorial) ou apenas 6% do território nacional. Seria possível ir além?
PLANO NOVO, METAS NOVAS
Com maior engajamento da sociedade, transformado em pressão sob empresas e sobre o setor agro, e um maior domínio de novas tecnologias que favorecem a agropecuária de baixo carbono, o redesenho do Plano ABC possibilitou a multiplicação das metas. O ABC+ estabelece o objetivo de adicionar novos 72 milhões de hectares com pelo menos uma das tecnologias implantadas, resultando na mitigação de 1,1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
Para chegar lá, o rol de tecnologias descarbonizantes foi atualizado e ampliado para oito. Foi introduzido o conceito de resiliência e adaptação de sistemas produtivos, tendo como premissa que várias culturas precisam se adaptar à maior frequência de eventos climáticos extremos.
Entre as tecnologias que já estavam na lista, foram revistas o plantio direto e a fixação biológica de nitrogênio, que passou a comportar toda a categoria de bioinsumos. E foram incluídos os sistemas irrigados e a terminação de bovinos de forma intensiva.
DESAFIOS RENOVADOS
Com o leque aberto, proprietários rurais ganham mais opções para buscarem recursos carimbados com os incentivos do ABC+ e, assim, modernizarem seus sistemas produtivos. A experiência na década passada demonstra que, dentro da porteira, há interesse em incorporar práticas que trazem ganhos agronômicos, redução de custos e, ainda de quebra, contribuem para a descarbonização do planeta.
Correm, no entanto, o risco de se frustrarem ao encarar esse desafio. O ABC+ é bem-vindo, mas é importante que se diga que ele não resolve dois gargalos importantes herdados do primeiro ciclo.
O primeiro são os recursos disponíveis, ainda bem abaixo do necessário para financiar a transição de modelos produtivos. O Plano Safra 2022/23 prevê um montante de R$ 6 bilhões para investimentos relacionados ao ABC+. É o dobro do ano anterior, mas representa menos de 2% dos R$ 340 bilhões destinado ao financiamento agropecuário.
O segundo gargalo é a capacitação dos profissionais do setor. Não se faz transição de modelo produtivo sem apoio técnico, sobretudo ao pequeno produtor. Grandes grupos agrícolas estão na dianteira na adoção das práticas de baixo carbono. Sem recursos e sem conhecimento, os pequenos ficam à margem do processo.
O Plano ABC+ é mais uma demonstração da capacidade da agropecuária brasileira de criar soluções e reinventar seu futuro. Com uma pitada a mais de ambição, poderia ser a base de um projeto nacional de desenvolvimento para o setor. Um plano para o mundo todo aplaudir.