Em tramitação no Congresso Nacional, uma proposta de lei pode dar novo impulso a uma atividade crucial para o agronegócio
Tramita lenta e silenciosamente no Congresso Nacional um projeto de lei com grande poder transformador para o agronegócio brasileiro. Atualmente está em análise na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, onde ganhou o número 4511/21, mas já circula pelas mãos de parlamentares desde 2015, quando foi apresentado pelo senador Donizete Nogueira (PT-TO).
Aprovado no Senado no ano passado, foi encaminhado à apreciação dos deputados. O que propõe: assegurar uma linha de crédito de pelo menos 2% dos recursos destinados ao financiamento agropecuário para o custeio de serviços públicos e privados de assistência técnica e extensão rural aos produtores, incluindo agricultores familiares.
Considerando os recursos previstos para o Plano Safra 2022/23, anunciado em junho passado pelo governo federal, isso garantiria um aporte anual de cerca de R$ 7 bilhões a uma atividade que, a despeito de sua relevância para o desenvolvimento de milhões de propriedades rurais no Brasil, andava relegada ao encolhimento nos últimos anos.
Atualmente, o orçamento da União reserva cerca de R$ 200 milhões ao extensionismo, que se mantém vivo e atuante graças aos investimentos estaduais. Todas as unidades da federação mantêm estruturas voltadas para levar, gratuitamente, educação e conhecimento sobre técnicas agropecuárias para os produtores rurais, especialmente os de pequeno porte. Elas investem em torno de R$ 3 bilhões por ano, cifra que tem se mostrado insuficiente.
Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer), o Brasil conta hoje com um contingente de 12,7 mil extensionistas, que atendem a cerca de 2,2 milhões de propriedades rurais familiares. O número é grande, mas representa menos da metade do total de estabelecimentos agropecuários no país.
Ou seja, a outra metade fica à margem desse serviço essencial. A extensão rural costuma andar de mãos dadas com a assistência técnica, serviço que, como o nome diz, ajuda os agricultores e pecuaristas a solucionarem seus problemas técnicos na produção.
Com educação, conhecimento e assistência técnica costumam vir maior produtividade e aumento de renda. Assim, a agricultura familiar, que já produz boa parte dos alimentos consumidos no país, terá ainda mais condições de contribuir para um ciclo positivo na oferta e, consequentemente, na queda de preços na mesa e no bolso dos brasileiros.
“A assistência técnica só será fortalecida com a criação de um fundo específico para o setor”, afirmou, em entrevista à Globo Rural no ano passado, o presidente da Asbraer, Nivaldo Moreno de Magalhães.
O trabalho dos extensionistas é fundamental e já foi muito mais relevante no Brasil. Nas décadas de 1980 e 1990 a rede das entidades estaduais de extensão e assistência técnica rural, as Ematers, contribuiu de forma decisiva para a transformação do cenário produtivo em várias regiões do Brasil. Nos últimos anos, no entanto, a atividade acabou sendo esvaziada, com a desvalorização e a redução do número de profissionais na área.
Em alguns estados, como Minas Gerais e Santa Catarina, as Ematers ainda mantêm seu fôlego, mas em grande parte do Brasil as condições de trabalho dos extensionistas se deterioraram.
O PL 4511/21 daria um novo impulso ao setor e abriria portas para ampliar o quadro e capacitar ainda mais os profissionais já atuantes. Mantê-los atualizados em relação às técnicas agropecuárias é preponderante para levar aos pequenos agricultores e pecuaristas conceitos e práticas mais modernas, que atendam às demandas de empresas e consumidores compradores de seus produtos.
Inclui-se nesse pacote o conhecimento sobre as exigências socioambientais, cada vez mais presentes. Fortalecida, a grande rede de extensionistas públicos poderia atuar como multiplicadora de boas práticas e incentivadora da adoção de modelos produtivos mais “verdes”, como agricultura regenerativa, ILPF, entre outras.
Movimento semelhante deve ganhar corpo nas iniciativas privadas de extensionismo e assistência técnica. Agrônomos, veterinários, técnicos agrícolas e outros profissionais que, a serviço de revendas e empresas de insumos, atuam no corpo a corpo com o produtor rural também começam a ser capacitados para orientar seus clientes na área socioambiental.
Quando isso acontece, o resultado é visível – e mensurável. Um estudo liderado pelo economista Arthur Bragança, da Climate Policy Iniciative, especializado em desenvolvimento sustentável, e publicado recentemente na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, revelou que pecuaristas do Cerrado brasileiro que receberam treinamento e assistência técnica customizada obtiveram um aumento de produtividade com seus rebanhos, que resultou em um ganho de 39% em suas receitas.
O treinamento, que durou dois anos, também teve impacto na redução da emissão de gases de efeito estufa nas propriedades analisadas. Somando o carbono sequestrado com o que deixou de ser emitido, o balanço foi de 1,19 milhão de toneladas de carbono a menos na atmosfera. “Apenas com a melhoria da qualidade das pastagens é possível contribuir tanto com a produtividade quanto com o meio ambiente”, afirmou Bragança em entrevista ao site Mongabay.
Recentemente, a Produzindo Certo foi selecionada pelo Land Innovation Fund (LIF) – fundo criado pela norte-americana Cargill, com gerenciamento da Chemonics International, para apoiar iniciativas dedicadas à produção responsável de soja na América Latina — e receberá financiamento em um projeto que prevê, entre outras frentes, a democratização de assistência técnica em sustentabilidade através da formação e capacitação de extensionistas. O trabalho deve ser iniciado ainda neste semestre.
Assim, com o uso da chamada “tecnologia social”, pode-se semear conhecimento, que certamente frutificará em desenvolvimento. A extensão rural é insumo chave nesse processo.