Diante do cenário de instabilidade, escassez de alimentos e insumos, inflação e juros em alta, há investidores correndo para ativos conservadores como forma de diversificar seus portfólios
Terra e guerra. A rima é pobre. E triste. Muito temos falado sobre os terríveis impactos humanos e os duradouros impactos econômicos que o mundo já sente em decorrência da invasão da Ucrânia por tropas russas. Instabilidade, escassez de alimentos e insumos, inflação em alta, assim como os juros. Tempos de turbulência exigem reflexão e há muita gente de olho na terra. Com letras minúsculas mesmo. Não no sentido de planeta, mas dos pedaços dele apropriados para a produção.
O conflito na Ucrânia, como sabemos, ocorre sobre solo rico e torna quase inviável, temporariamente, a exploração econômica de centenas de milhares de hectares. É terra que abastece a Europa e boa parte do mundo com trigo, girassol, cevada, soja e outras commodities agrícolas. Com tanto chão indisponível, outras áreas do mundo precisam suprir essa demanda.
Cria-se, assim, um cenário perfeito para gerar um efeito ainda pouco vislumbrado da guerra: a valorização dos imóveis rurais nos principais países produtores agrícolas. Movimento nesse sentido já começou a ser identificado por investidores mais atentos, preocupados em buscar alternativas mais seguras para se proteger das altas inflacionárias.
Historicamente, imóveis rurais podem funcionar como um hedge contra a inflação. Em um período de 12 meses entre abril de 2020 e abril de 2021, por exemplo, a valorização média da terra no Brasil foi de 18% (IHS Markit), quase 3 vezes a inflação do mesmo período, que ficou em 6,76% (IBGE). Em regiões produtoras de grãos, como o Mato Grosso, a alta no preço das propriedades chegou a 30% em um ano.
Não se trata de um fenômeno brasileiro. Mesmo em mercados mais maduros, como o americano, a visão de que a instabilidade e a inflação podem afetar a rentabilidade de ativos de maior risco tem levado investidores a olhar para o mercado de terras agrícolas. De acordo com levantamento da Farmland Planters, citado em artigo na plataforma especializada em investimentos Seeking Alpha, as terras valorizaram em torno de 20% em 2021, período em que a inflação, também em alta por lá, chegou a 7,5%.
“Imóveis rurais são o refúgio seguro durante tempos de crise como hoje e me ajudam a dormir bem à noite, sabendo que pelo menos uma parte do meu portfólio está a salvo da turbulência. Na verdade, é até o contrário: as terras agrícolas podem se beneficiar desse ambiente turbulento”, escreveu, no artigo, Jussi Askola, gestor de investimentos e autor do livro “High Yield Landlord” (Proprietário de Alto Rendimento, em tradução livre).
Para Askola, o momento de depreciação de outros ativos, associado à alta dos preços das commodities em função da menor oferta e de uma demanda que continua crescente, faz com que muitas instituições financeiras recoloquem as fazendas como alvos de compras. “A popularidade das propriedades rurais já vinha crescendo nos últimos anos, mas ainda era um mercado com poucos investidores. Isso está começando a mudar”.
A mudança vem acelerar um movimento que já registramos aqui na edição 19 do Notícias Responsáveis, que é a valorização dos ativos naturais, que englobam biodiversidade, água e matas. Com mercados globais demandando produção responsável e criando mecanismos para remunerar esforços de conservação de biomas nativos e práticas que favoreçam o sequestro de carbono, a possibilidade de obter novas receitas nas fazendas chama a atenção de quem já está no setor agropecuário – e também de quem busca opções verdes para seus investimentos. Investidores conservadores buscam segurança. Por isso, cada vez mais buscam propriedades com bom desempenho e baixo risco socioambiental, menos sujeitas a multas e embargos.
Exemplo claro do que essa oportunidade representa foi dado por André Guillaumon, CEO da BrasilAgro. Em entrevista ao jornal Valor Econômico no final de 2021, ele disse acreditar que o ciclo de valorização das terras ainda estava longe do fim e confirmou que, além de produzir grãos, estava atento a novas formas de remuneração para seus negócios: o pagamento por serviços ambientais e os créditos de carbono. Com 70 mil hectares de florestas nativas, a empresa contratou estudos da Embrapa e da Sumitomo para calcular seu potencial de sequestro de carbono, tanto nas áreas de vegetação nativa quanto nas de lavoura.
Há uma clara evolução na avaliação dos ativos rurais. Se antes se analisava sobretudo o potencial produtivo, agora entramos na era do potencial socioambiental e do valor agregado pela preservação ambiental. É algo que vai além da guerra, a favor da Terra.