A pesquisa é uma ferramenta essencial para a tomada de decisão no campo. Foi pensando nisso que 44 produtores criaram no final dos anos 90 o Grupo Associado de Pesquisas do Sudoeste Goiano (Gapes).
Com uma equipe própria de pesquisa, além de parcerias com grandes empresas e outras instituições, o objetivo central do grupo é gerar informações concretas e relevantes que impulsionem a adoção de novas tecnologias e a rentabilidade dos associados em modelos sustentáveis de produção.
Um dos principais objetos de estudo atualmente são os impactos das práticas de agricultura regenerativa. Em entrevista ao Portal da Produzindo Certo, a bióloga Marla Juliane Hassemer, especialista em Entomologia e pesquisadora do Gapes, conta mais detalhes sobre as pesquisas que estão sendo realizadas e os resultados observados até agora.
O expressivo aumento na adoção do controle biológico, o crescimento do cultivo consorciado e o maior uso de plantas de cobertura são algumas mudanças que ela tem acompanhado no campo.
Segundo a pesquisadora, em maior ou menor escala, a maioria dos produtores já adota técnicas que fazem parte desse modelo de produção. “Todo mundo já está um passo na “escadinha”. Uns mais, outros menos, mas está todo mundo caminhando para o mesmo horizonte”, disse ela. Confira abaixo a entrevista completa!
Conte um pouco da história do Gapes. Como o grupo foi criado?
O Gapes é um grupo associado de produtores rurais. Foi criado em 1999, já são quase 25 anos de história. Esses produtores se juntaram porque eles sentiam a necessidade de entender como as tecnologias que o mercado oferecia funcionariam na prática para que eles tivessem um maior respaldo nas tomadas de decisão no campo. Inicialmente eles se juntaram com um grupo de professores da Universidade de Rio Verde. Eles entraram então apoiando esses professores para que eles conduzissem as pesquisas. Com o passar do tempo a universidade foi crescendo e o Gapes também foi se consolidando. Vale ressaltar que os mesmos produtores que iniciaram lá atrás são os que continuam até hoje, alguns deles já estão em fase sucessória. Então no começo eles pensaram junto com os professores e depois eles sentiram a necessidade de trazer essa pesquisa para dentro da associação mesmo, foi aí que criaram o time de pesquisa do qual eu faço parte hoje.
Qual o principal objetivo do Gapes?
O principal objetivo do Gapes hoje é conduzir pesquisas com ferramentas que já estão disponíveis no mercado, dentro da agricultura, pra gente levar para os produtores quais são os melhores posicionamentos para eles tomarem decisões mais assertivas frente as inúmeras dificuldades que enfrentam durante o ciclo de produção. Os produtores associados cultivam majoritariamente milho e soja. Tem crescido muito a questão de consórcio de milho com outras culturas. Isso também já vem nessa pegada da agricultura regenerativa de tentar incluir novas culturas no sistema para enriquecer a biodiversidade, melhorar as condições do solo e do ambiente.
Quais outras técnicas têm sido mais difundidas?
Além disso, hoje a grande maioria deles já faz uso de plantas de cobertura devido principalmente a condição climática, aqui em Goiás, que é um pouco complicada nesse período de segunda safra. Agora a gente está tendo a safrinha do milho. Depois de uma certa data de plantio, o milho já não produz tão bem porque tem o corte das chuvas. Então os produtores vão para outras culturas ou para um mix de plantas de cobertura. Tem produtor que faz um mix de até oito espécies vegetais nessas áreas que antigamente ficariam em pousio, sem nada. Hoje 100% das áreas recebem uma cobertura vegetal, mesmo sendo algo que não vai trazer rentabilidade direta.
Isso você diz no estado ou entre os produtores do Gapes?
Na região é uma prática que vem crescendo, mas essa realidade que eu coloquei acaba ficando mais restrita aos produtores do Gapes.
Quais as principais linhas de pesquisa do Gapes?
Principalmente relacionadas ao manejo de doenças, manejo de pragas, sejam elas insetos ou plantas daninhas, a escolha de híbridos, variedades, relacionada a parte de sementes, controle de nematoides e fungos de solo, doenças de solo, fertilidade, fisiologia e nutrição, além da agricultura digital, que agora é a nova revolução.
Dentro dessas linhas, quais são direcionadas para a promoção da agricultura regenerativa?
Nós já temos experimentos de longa duração. Tem experimentos que já estão na terceira safra consecutiva. Estamos fazendo experimentos em sistemas de produção baseados em agricultura regenerativa. Na área de controle de doenças a gente tem diversos estudos focados tanto na parte de substituição de produtos químicos, visando a utilização de biofungicidas, por exemplo, quanto a associação entre as duas ferramentas. As vezes a agricultura regenerativa não é simplesmente ir lá e substituir uma ferramenta por outra. As vezes a junção das duas técnicas permite uma redução na utilização de ambas porque elas juntas têm maior efeito do que separadas.
Quais outros exemplos?
Na minha área também a gente trabalha com o controle de insetos-praga nas culturas. Então hoje a gente já tem diversas sugestões de produtos biológicos que têm um efeito tão bom quanto um produto que já é antigo de mercado, um químico que o produtor já está acostumado a usar. Dentro do Gapes muitos produtores já adotam produtos biológicos em área total, não só em pequenas partes da propriedade para fazer testes. Os nossos estudos têm trazido resultados que têm levado os produtores a adotarem estratégias de controle biológico.
O Gapes também faz parte do projeto Regenera Cerrado. O que é essa iniciativa?
O Regenera Cerrado é um projeto com mais de vinte instituições de pesquisa, o Gapes é uma delas. É um projeto que foi idealizado pelo saudoso Alysson Paolinelli. A ideia dele era que, como um último legado que ele deixaria pra gente, ele queria ver essa agricultura regenerativa em larga escala, validada por a+b, as práticas sendo validadas e os resultados sendo entregues à sociedade. Cinco produtores que participam do projeto são associados do Gapes. Então eles já estão em uma caminhada regenerativa ao longo de vários anos. Qual é a ideia? Entrar nas fazendas e mensurar o impacto de cada uma dessas práticas que eles já vinham adotando ao longo do tempo e entender o real impacto da adoção dessas diferentes alternativas. Mais nessa pegada de redução da utilização de químicos, melhor manejo do solo e na introdução de novas espécies no sistema de cultivo. É um projeto bem grande que engloba várias áreas do conhecimento.
Quais os principais resultados alcançados até agora pelas pesquisas realizadas pelo projeto Regenera Cerrado?
A gente já está coletando o segundo ano de resultados no cultivo do milho. A gente já liberou alguns resultados prévios da primeira safra e agora, fechando essa segunda safra, a gente vai ter um maior volume de dados. Mas a gente já tem visto, por exemplo, um aumento de biodiversidade de organismos benéficos nessas áreas em que há a adoção de uma agricultura mais regenerativa. Nós também já chegamos à conclusão de que no início do projeto a gente selecionou áreas em que era praticada a agricultura tradicional com áreas regenerativas pra gente ter um comparativo. Logo no primeiro ano, a gente já se deparou com uma realidade em que nós não temos mais áreas tradicionais, a gente tem uma escala. Então áreas que ainda estão adotando poucas estratégias que fazem parte da agricultura regenerativa e áreas que estão mais avançadas. Mas todas elas já fazem alguma coisa voltada para a agricultura regenerativa.
Na sua opinião, a agricultura regenerativa está em crescimento? Quais práticas estão sendo mais aplicadas?
No estado de Goiás e a nível Brasil, uma das práticas que é adotada com muita frequência é a questão do plantio direto. Com relação ao controle de doenças de solo, a gente tem produtos biológicos que são adotados por uma infinidade de produtores. É complicado falar em 100%, mas eu acho que é muito próximo disso. Eu acho que é um dos grandes sucessos do controle biológico a nível nacional e mundial. E o que tem crescido muito, que eu vejo, com relação a adoção de práticas de manejo de doenças e pragas da parte aérea, é a redução do uso dos produtos químicos e substituição por produtos biológicos, ou a associação das duas ferramentas. Então hoje a gente vê um crescimento exponencial de ferramentas para o controle de insetos-praga e para o manejo de doenças da parte aérea das plantas.
Esse crescimento deve continuar? Qual a sua perspectiva para o futuro?
Está todo mundo caminhando para uma maior adoção. Os produtores hoje, que não adotam estratégias mais focadas em agricultura regenerativa, eu vejo que é uma questão de tempo e pouco tempo. Não é nem a longo prazo, a gente está falando de um futuro bem próximo. Todo mundo já está um passo na “escadinha”. Uns mais, outros menos, mas está todo mundo caminhando para o mesmo horizonte.
O que tem estimulado esse crescimento?
Eu acho que é um conjunto de fatores. O fator que mais impacta na decisão do produtor de “vou adotar ou não” está principalmente relacionado a questão econômica. Então aos custos de produção. Outro ponto são os resultados de pesquisas. A gente tem visto que ano após ano ferramentas que já vinham sendo utilizadas por muito tempo e que funcionavam muito bem, hoje não têm mais o mesmo desempenho, ferramentas sintéticas ou químicas. Enquanto isso, a gente tem novas ferramentas no mercado – de controle biológico, ferramentas alternativas que fazem indução de resistência – que melhoram o desempenho da cultura e conseguem entregar mais resultado.
Como a agricultura regenerativa deve impactar a imagem da produção brasileira nos próximos anos?
A agricultura brasileira já é uma vitrine em termos de adoção de bioinsumos a nível mundial. Todo mundo está se voltando para entender o que o Brasil está fazendo e por que já está tão avançado na adoção dessas estratégias. Eu vejo que o Brasil vai estar em uma posição extremamente estratégica, como fomentador de boas práticas e não mais consumidor. A gente vai ver essa virada de chave. Por muito tempo a agricultura foi implementada aqui pelo fator da colonização que o Brasil teve, por imigrantes que já praticavam a agricultura em outras regiões do mundo. Agora a agricultura do Brasil já está caminhando com as próprias pernas e ela está exportando informação e não só importando. Estamos virando gerador de opinião, principalmente na agricultura regenerativa. Eu acho que em poucos anos, além de exemplo em sustentabilidade, a gente vai ser exemplo em práticas de agricultura regenerativa.