Adotada por agricultores e comunidades rurais, a queima de áreas para limpar pastagem ou remover vegetação é permitida por lei, mas sua prática demanda planejamento e precisa de licença do órgão regulador
O cenário parece de filme, mas a situação é real, e urgente. Em áreas de mata fechada, homens equipados com o que podem carregar nas costas, caminham por quilômetros floresta adentro. Sob o calor que pode facilmente ultrapassar os 50 graus celsius e muita fumaça, eles avançam com roupas de proteção, sopradores ou bombas costais, além de alimentação. E passam dia e noite combatendo as queimadas no Alto Xingu, uma das regiões de maior biodiversidade do País.
A atuação da Brigada Aliança da Terra em regiões do Mato Grosso e de Goiás acontece há mais de década, auxiliando propriedades rurais, unidades de conservação e terras indígenas na prevenção e combate ao fogo. “O Xingu foi o nosso principal foco neste mês, porque tivemos vários incêndios se aproximando de aldeias. Treinamos e apoiamos desde 2013 a Brigada Indígena Kamayura, e eles nos pediram ajuda para conter o avanço do fogo. A fumaça já alcançava o polo-base Leonardo Villas Bôas, onde fica o hospital com pacientes internados com problemas respiratórios, principalmente por conta da covid-19”, conta Caroline Nóbrega, gestora de projetos da ONG Aliança da Terra, que mantém a brigada. Leia mais sobre o trabalho dos brigadistas em auxílio aos indígenas e comunidades locais contra queimadas.
Formada em 2009, a Brigada Aliança conta com profissionais especializados em prevenção e combate a incêndios florestais, treinados pela equipe de elite do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) SmokeJumpers.
Os brigadistas trabalham o ano inteiro. Na temporada que antecede o período de seca, eles se dedicam a atividades preventivas como planejamento e conscientização e treinamento de produtores rurais e comunidades. A prevenção e o monitoramento contínuo aumentam muito as chances de um combate rápido e efetivo, antes que as queimadas tome grandes proporções.
“Há várias ações que podem ser feitas para reduzir o risco de incêndios. Cada estratégia considera relevo, tipo de vegetação e vento. A prevenção envolve a análise do histórico do fogo na região. Na pecuária, por exemplo, se há uma área identificada como de risco, é possível deslocar o gado pra lá para reduzir o capim, que serve de combustível, construir aceiros, avaliar a largura e a posição ideal para eles, revisar os equipamentos e deixá-los prontos para uma situação de emergência. E tudo isso deve ser feito antes do período de seca”, explica Caroline.
Pandemia e queimadas
As restrições da pandemia impactaram as atividades de conscientização e prevenção no primeiro semestre, por exemplo,a maior parte dos treinamentos inicialmente previstos precisaram ser suspensos, ainda assim, pelo menos 90 pessoas foram treinadas pelos brigadistas em 2020 – se considerado o período desde a sua criação, foram quase mil pessoas treinadas, incluindo indígenas, funcionários de órgãos públicos, voluntários, produtores rurais e funcionários de fazendas. A Brigada Aliança planeja expandir seu trabalho, criando brigadas florestais privadas, e aumentar assim o apoio a produtores rurais contra queimadas. O plano está em desenvolvimento e busca apoio para ser implementado.
Os produtores cadastrados na plataforma Produzindo Certo recebem orientação sobre proteção da fazenda contra incêndios, como exemplo a construção e manutenção preventiva de aceiros entre as áreas produtivas e a vegetação nativa. O diagnóstico socioambiental também conta com o levantamento do histórico de focos de calor na propriedade, para identificar os pontos mais críticos. Eles recebem informações sobre medidas preventivas e sobre os equipamentos de proteção. Essas condições também fazem parte da avaliação das fazendas e influenciam no score ambiental da propriedade.
Fogo controlado
É importante entender quais as práticas mais eficientes e também o que é permitido na prevenção e no combate ao fogo nas propriedades rurais. A queima controlada, em algumas situações é prevista em lei, por exemplo para manejo de pastagens.. Entretanto, é fundamental, que ela seja feita dentro de período específico, com planejamento, conhecimento e autorização dos órgãos ambientais.
“Com a assistência técnica adequada sobre os benefícios de práticas agrícolas mais sustentáveis e treinamento para a prevenção de incêndio, os resultados vêm”, afirma Charton Locks, diretor de Operações (COO) da Produzindo Certo, indicando que o levantamento de pesquisadores da UFMG em 2016 constatou que 92% das fazendas integrantes da plataforma Produzindo Certo reduziram focos de calor em suas áreas.
Feita sem planejamento e cuidados extremos, a queima pode se transformar em focos de incêndios florestais com danos para os produtores rurais, o meio ambiente e a saúde e a segurança das comunidades da região. O fogo sem controle pode extinguir plantações inteiras, se espalhar para fazendas vizinhas, estradas e, principalmente, alcançar áreas de conservação ambiental. Períodos de estiagem prolongada como o atual elevam ainda mais o risco de incêndios. Segundo Caroline, também é importante destacar que “as queimadas geram degradação do solo, perda de nutrientes essenciais ao crescimento das plantas e podem causar a perda da produtividade da área exposta ao fogo, resultando em prejuízos econômicos”.
Se o produtor rural optar pela queima controlada em sua propriedade, deve observar as dicas de segurança a seguir. É importante reforçar que é preciso licença do órgão ambiental para realizar essa atividade. A Brigada Aliança também está disponível aos produtores da Plataforma Produzindo Certo para tirar dúvidas ou realizar treinamentos de prevenção nas propriedades.
- Os aceiros servem para isolar uma área evitando a propagação de incêndios. Precisam ser planejados considerando as características do terreno e a altura da vegetação.
- Evite realizar a queima controlada em grandes áreas de uma só vez.
- Fique atento à força e direção do vento.
- Mantenha equipamentos de combate às chamas com manutenção em dia e de prontidão para operar (entre eles, máquinas agrícolas com grades e equipamentos manuais como enxadas, pás e bombas costais, além de algum tipo de reservatório com água).
Vale lembrar, ainda, que neste ano as queimadas estão proibidas em todo o Brasil por decreto federal nº 10.424, de 15 julho. O período é válido por 120 dias, e a medida foi definida por conta do período maior de estiagem e do aumento de focos de incêndio.
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