No pasto ou no confinamento, o conforto térmico contribui para um maior rendimento em volume e qualidade de carne. Melhor ainda porque, exceto os efeitos climáticos, o produtor tem controle sobre as principais variáveis dessa equação
Ali pelos anos 1990, conforme a técnica do cruzamento industrial se espalhava por mais e mais rebanhos de gado de corte em todo o País, a resistência ao calor ganhava destaque entre as características desejadas nos animais. Afinal, tal expansão “subia” pelo mapa do Brasil, avançando pelas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, onde temperaturas mais altas naturalmente selecionavam que tipo de bovino atenderia os projetos pecuários.
Aí pesava o fator genética, pois essa combinação das melhores qualidades de duas raças bovinas, a tão desejada heterose, envolvia uma porção zebuína, mais tolerante ao calor, e outra de algum gado de origem europeia, que agregava produtividade e qualidade de carne mas sofria com o clima mais quente.
De lá para cá, muita coisa mudou. Com o melhoramento genético promovido pelos pecuaristas, amparados por pesquisas científicas e técnicas reprodutivas inovadoras, tanto o gado zebuíno quanto o europeu evoluíram em todos os sentidos. E grande parte dos produtores passou a entender que por mais resistente e adaptado que seja o animal, puro ou cruzado, seu desempenho sempre será melhor quando criado em um ambiente mais confortável.
Evitar o estresse térmico previne problemas de saúde, estimula os bovinos a se alimentarem melhor, potencializa o ganho de peso e aprimora o padrão de qualidade da carne.
“É comprovado que se há sombreamento, o resultado na produção de carne é melhor”, afirma Willian Campos, coordenador de Campo da Produzindo Certo. “O animal criado sob uma estrutura de sombrite ou em uma área com sombra natural termina mais pesado.”
Campos ressalta ainda a importância dessa condição pela própria natureza do gado. “São ruminantes, em determinado momento do dia vão até se sentar para realizar o processo de ruminação”, comenta.
Há diferentes maneiras para que o pecuarista garanta um ambiente sombreado para o rebanho, e tudo vai depender do seu projeto de produção. O sombrite citado por Campos, por exemplo, apresenta diferentes graduações de bloqueio da luz solar e tem sido utilizado em sistemas de confinamento, pois seria inviável na pecuária extensiva.
Estudo realizado pela Embrapa Pecuária Sudeste, utilizando telas com 80% de bloqueio de luz solar, comprovou o impacto desse conforto no desenvolvimento dos animais e, sobretudo, na redução do consumo de água.
Sombra e água fresca
O experimento da Embrapa envolveu 48 machos da raça Nelore, não castrados, com 24 meses e peso médio de 448 quilos. Esses animais foram divididos em dois grupos, sendo que durante os 96 dias de confinamento uma parte teve acesso à cobertura com sombrite e a outra, não.
De acordo com resultados do estudo, os bovinos manejados com sombra artificial consumiram por dia 3,32 litros de água, em média, a menos do que os demais mantidos a pleno sol. Além do conforto térmico, que impacta no bem-estar animal e no desenvolvimento do gado, a técnica representa uma considerável economia no consumo de água.
No caso dos rebanhos criados a pasto, a sombra pode ser providenciada com o plantio de árvores, seja apenas com o propósito de oferecer conforto térmico, seja como uma agregação de valor à atividade pelo cultivo comercial.
É o caso do sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), também chamado de agrossilvipastoril, e do Integração Pecuária-Floresta (IPF), ou silvipastoril, que reúnem na mesma área diferentes produtos. “Quando há sombra disponível, o animal vai buscar esse espaço. Mas a exemplo de fazendas que associam a pecuária e o cultivo de eucalipto, mesmo fora das áreas de sombra o ambiente fica mais fresco”, comenta Campos.
Segundo dados da Rede ILPF, essa tecnologia já é aplicada no Brasil em mais de 17,4 milhões de hectares. De acordo com a organização, os sistemas de integração também agregam valor aos produtos e proporcionam redução dos custos com insumos e dos custos fixos para a produção animal.
Pesquisa realizada pela Embrapa Agrossilvipastoril, em parceria com a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e a Associação dos Criadores do Norte de Mato Grosso (Acrinorte), traduziu o impacto desse conforto térmico em ganho de peso de animais Nelore. O experimento, que avaliou diferentes sistemas de integração, revelou que o gado criado em ILPF teve desempenho 30% superior ao apresentado, em média, pelo rebanho de corte mato-grossense. “E o animal demora menos tempo para ficar pronto”, comenta o coordenador de Campo da Produzindo Certo.
Segundo Willian Campos, a preocupação com o conforto térmico e o bem-estar animal é mais do que bem-vinda na produção do gado de corte, é uma necessidade que está associada às boas práticas pecuárias. Mas como qualquer manejo, essa precaução não deve vir isolada, pois faz parte de um conjunto maior de cuidados com o rebanho, que envolve nutrição, cuidados sanitários e fornecimento de água.
“É por isso que as praças de alimentação podem ajudar, pois é uma forma de fornecer no mesmo espaço a sombra, natural ou não, água e comida”, afirma. Nesse caso, “sombra e água fresca” não estão no sentido figurado, a combinação é mesmo literal.