Adotar o modelo mais adequado para atender às necessidades da propriedade e estimar as perdas de água pelas culturas são algumas das estratégias que podem ajudar
A expansão da agricultura irrigada é apontada como uma das principais estratégias para aumentar a produtividade no Brasil. O País irriga hoje cerca de 8 milhões de hectares, o que representa apenas 3% da produção agrícola, enquanto a média mundial é de 20%.
Um estudo recente da Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”) indicaque o país pode aumentar a área irrigada para 55 milhões de hectares, utilizando áreas degradadas ou de baixa produtividade.
A irrigação é uma técnica que traz diversos benefícios, como o aumento na produtividade, regularidade e qualidade na produção alimentos, além de ganhos valiosos para o meio ambiente, como a conservação do solo e da água.
Com a adoção de algumas medidas e estratégias, o produtor pode ampliar a eficiência do sistema de irrigação na propriedade e alcançar economia significativa no uso de água e energia.
Por isso fomos falar com quem entende do assunto. Na entrevista abaixo, o professor titular de Irrigação da UNESP, Fernando Braz Tangerino Hernandez, traz algumas dicas valiosas para quem já usa a irrigação na propriedade e quer melhorar o sistema – e também para quem pretende fazer esse investimento.
Quais cuidados o produtor deve ter para alcançar maior eficiência no uso de água e energia com a irrigação?
O primeiro passo para que tenhamos uma conta de energia ou um custo operacional dentro do desejado começa lá com a decisão de irrigar fazendo um bom projeto de irrigação. Um bom projeto de irrigação é aquele que paga a conta da evapotranspiração, ou seja, é capaz de entregar as necessidades de água das culturas de interesse.
Também tem o posicionamento, a escolha dos emissores de uma hidráulica que permite que a uniformidade da irrigação seja superior a 90%. Ou seja, a diferença entre onde mais cai água e menos cai água, dentro de um setor irrigado, não pode passar de 10%. É desejável que um sistema de irrigação seja composto de bons materiais e que tenha uma montagem adequada.
Outro elemento que vai muito da escolha pessoal tem a ver com o investimento que se deseja fazer. Sistemas mais robustos exigem investimentos maiores, porém custos operacionais menores, isso em função do sistema tarifário brasileiro que comporta três níveis de tarifa: a tarifa normal, a tarifa em horário de pico, que não deve ser utilizada para irrigação, e a tarifa diferenciada que vai das 21 horas até às 6 horas da manhã. Sábado e domingo também prevalece essa tarifa de menor custo.
Então, quando a gente diz que sistemas mais robustos exigem maior investimento é porque têm capacidade de entregar mais água. Portanto eu permaneço proporcionalmente mais tempo na tarifa diferenciada com custo menor.
Como o produtor pode estimar as perdas e a necessidade de reposição de água no solo?
Uma vez comprado, adquirido o sistema de irrigação, é importante estimar as perdas de água pelas culturas em um processo chamado evapotranspiração. A gente pode fazer isso de duas maneiras: através de estações meteorológicas próprias ou utilizando as redes públicas disponíveis no Brasil, ou ainda utilizando sensores no solo, que nos dão a quantidade de água, o armazenamento de água, como o tanque de combustível do nosso carro.
A gente consegue saber a hora que entra na reserva e aí a reposição de água, a irrigação deve vir imediatamente porque, como num cheque especial, a gente vai ser cobrado. No caso, os juros da natureza significam perda de produtividade.
E, por outro lado, não devemos irrigar além de um ponto chamado capacidade de campo. É um ponto ideal para as culturas, aquele ponto em que há equilíbrio entre água e ar necessários no solo para o perfeito funcionamento das raízes.
Quais erros comuns do produtor que prejudicam a irrigação na propriedade?
Repor a quantidade perdida de água por evapotranspiração é a chave para aumentar a eficiência no uso da água. Um grande equívoco é dizer que usou pouca água. Usar pouca água muitas vezes é um desperdício também, porque não permite que a planta expresse todo seu potencial produtivo.
Esse equilíbrio entre pouca e muita água utilizada no processo de produção de alimentos depende do conhecimento do armazenamento no solo e da reposição, o chamado manejo da irrigação.
Portanto, colocar um sensor no solo que nos diz quanto de água temos, não deixar nunca atingir um armazenamento crítico ou estimar as perdas por evapotranspiração através de uma estação meteorológica é a chave para o uso eficiente da água.
Claro que devemos sempre estar atentos a vazamentos, quedas de pressão. Devemos manter uma rotina de verificação das condições operacionais do sistema de irrigação tal quanto foi checado na entrega técnica quando o equipamento começou a funcionar.
O que o produtor deve levar em consideração ao escolher o modelo de irrigação?
Na verdade não existe um melhor sistema de irrigação. Existe o mais adequado às suas condições locais de solo, clima, culturas, disponibilidade de água, em quantidade e qualidade, disponibilidade de recursos financeiros.
Muitas vezes queremos um investimento menor, mas é uma gangorra. Neste caso teremos custos operacionais maiores. Por outro lado, investimentos maiores resultam em custos operacionais menores. E vale também para o nível de automação que se deseja dar ao seu negócio de produzir alimentos.
É necessário ter um funcionário responsável pela irrigação ou é algo totalmente automatizado?
O nível de automação dos sistemas de irrigação é elevado. Porém, sempre vai existir alguém, pelo menos uma pessoa responsável pela programação dos controladores, pela verificação do adequado funcionamento. A automação traz grandes benefícios ambientais, econômicos, mas ela nunca vai substituir o homem na decisão do quando e quanto irrigar.
O que mais pode ser feito para otimizar os sistemas de irrigação?
A automação dos sistemas de irrigação com controladores tem trazido grandes benefícios no controle da água aplicada. Seja porque sistemas digitais permitem o registro de todas as operações e assim voltar no tempo e verificar o que fizemos e melhorar sempre os processos. Então, a automação é um ponto desejável.
A capacitação técnica, o entendimento do sistema solo-planta-solo-atmosfera e também o entendimento do sistema tarifário brasileiro permite que tenhamos cada vez mais o uso da água de forma adequada, eficiente a custos operacionais compatíveis.
Com a instabilidade climática, com as chuvas tendo um comportamento muito variável no tempo no espaço e na quantidade em que se registra em cada região, os sistemas de irrigação de fato são uma garantia. Permitem não só a segurança hídrica, mas a sustentabilidade do negócio de produzir alimentos.