A zootecnista e produtora rural Kika Carter traz no sangue o DNA de duas lendas da pecuária nacional e um legado de consciência ambiental
A árvore genealógica de Kika Carter conta uma parte importante da pecuária brasileira. Pelo lado paterno, é neta de uma lenda, Celso Garcia Cid, pecuarista que, em 1960, foi o líder da aventura que trouxe da Índia os animais de raças zebuínas que ajudaram a renovar o sangue do rebanho nacional. No ramo materno, seu avô é Rubico Carvalho, um dos pioneiros da seleção genética da raça Nelore no País e também parceiro naquela que foi a última importação de gado vivo da Índia realizada no Brasil.
Ana Francisca Carvalho Garcia Cid Carter, seu nome completo, tem o agronegócio no seu DNA. Desde os seis meses de idade, o pai, Neco Garcia Cid, a levava para a fazenda Cachoeira, em Sertanópolis, no Paraná, e voltava apenas no final do dia. Assim que aprendeu a andar, Kika só queria saber de uma coisa: montar a cavalo.
Ela traz ainda outra herança na sua relação com o campo: a consciência ambiental. Das diversas propriedades da família, a Fazenda Santa Francisca, no município de Querência do Norte (PR), é seu “maior xodó”. Especialmente por conta da área de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) criada pelo pai em 1997, uma das primeiras do gênero no Brasil.
“Meu pai tinha uma propriedade com o irmão gêmeo dele – a fazenda Jaracatiá. Quando decidiram dividir a fazenda, meu tio ficou com a área que já estava aberta, que já era pasto. E meu pai ficou com toda a área de mata fechada. Então, ele abriu 50% dessa área e resolveu que não precisava de mais nada”, conta Kika.
A RPPN é uma área de conservação criada por vontade própria do proprietário. Além de preservar a biodiversidade dos biomas, pode ser utilizada para pesquisas científicas, turismo ecológico e manejo dos recursos naturais.
Com 545,30 hectares, desde 1998 a RPPN recebe estudantes das universidades locais para pesquisas de fauna e flora. A reserva da Fazenda Santa Francisca passa, no entanto, por momentos de sufoco, com caça ilegal e falta de monitoramento do município. “O que precisamos é de polícia para monitorar o que é feito de errado. Muita gente entra na reserva para caçar cotia, paca e capivara, extrair da mata, etc. É fácil fazer a reserva no papel, a realidade é outra.”
Mulher no comando
Foi na Fazenda Santa Francisca que Kika formou-se no ofício de produtora rural. “Por ser a mais velha, meu pai decidiu que eu seria fazendeira também”, diz.
Formada em Zootecnia pela Universidade de Zootecnia de Uberaba (Fazu), Kika aprendeu a colocar em prática o que tinha aprendido na faculdade. “Eu tinha que administrar os capatazes, os tratoristas. Eu não sabia como dirigir um trator, mas eu sabia o que precisava ser feito. Eu, como mulher, chegava com respeito aos homens e explicava o que eu queria. Eu até estudava um pouco o assunto antes de ir falar com eles. Eu aprendi muito no dia a dia, a forma manual de fazer tudo. A mulher, a vida inteira, teve capacidade de entender tanto quanto o homem. Só que não deixavam”, completa.
“Eu dirigia sozinha, com uma .38 que meu pai me deu, de uma fazenda para outra para vender gado e mandar dinheiro para eles nos Estados Unidos”, lembra. Além da comercialização dos animais, Kika também era responsável por vacinações, castrações, desmame e abate do gado. “Foi um aprendizado desde criança. Eu nunca tive problema com o gado, sempre soube lidar.”
Ponte aérea Brasil-EUA
Hoje, Kika mora no estado americano do Texas com o marido John, também fazendeiro, e as filhas Catarina e Maria. “Aqui estamos fazendando também”, brinca. Sua relação com os Estados Unidos também começou por conta dos laços familiares. Nos anos 1990 o avô Rubico Carvalho comprou uma fazenda no Texas, após a venda de sua fazenda no Acre, para investir em gado Nelore que estava sendo pesquisado na Universidade de Nebraska.
“Meu avô sempre teve contatos com fazendeiros da América do Sul que queriam comprar gado dele. Mas à época não era possível fazer a compra do gado vivo do Brasil, devido à febre aftosa. Então ele comprou uma fazenda no Texas para criar e poder vender esse gado Nelore puro.”
Kika, então, começou a passar as férias da faculdade, os invernos no Texas e na Flórida com a família. Por intermédio de fazendeiros texanos, ingressou na pós-graduação de Administração Rural na Texas Christian University, em Forth Worth, onde conheceu John Carter, que depois viria a ser o idealizador da ONG Aliança da Terra e da Produzindo Certo. Ao ingressar no disputado curso, Kika aprendeu com mais profundidade sobre o manejo do solo, a nutrição do gado e as finanças de uma empresa agropecuária.
Fazenda Santa Francisca
Mesmo nos Estados Unidos, Kika Carter nunca se afastou da Santa Francisca. Muito pelo contrário, ela investiu na sua paixão. Em 2017, comprou parte da fazenda. Em parceria com a mãe, hoje cria gado inseminado da raça japonesa Akaushi, conhecida pelo potencial de marmoreio de sua carne. Seguindo os passos dos dois avôs, Kika inseminou a vacada com sêmen dos Estados Unidos.
Além da Fazenda Santa Francisca I, Kika Carter possui outras duas propriedades no MT, o Rancho Jatobá e a Fazenda Sucupira, compradas junto a seu esposo John Carter. Kika esteve pela última vez no Brasil em março passado, após o falecimento do pai. Visitou a Fazenda Santa Francisca e participou da contagem do gado. E reviu a exuberância da reserva, o legado natural que sua família deixa para o mundo.
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