Ao vir dos Estados Unidos para o Brasil, viver com sua esposa Ana Francisca Garcia Cid Carter na fronteira agrícola do Alto Xingu, o pecuarista John Carter sentiu na pele toda a dificuldade de produzir e preservar a mata nativa em uma região violenta e sem lei.
Havia normas ambientais a cumprir e muitas cobranças no cenário nacional e, principalmente, internacional. O que não havia? Suporte para ajudar o produtor a atender às demandas e conciliá-las com a produção agrícola.
Para se ter uma ideia, a região era conhecida como o “Vale dos Esquecidos” e enfrentava muitos conflitos entre fazendeiros, povos indígenas e grileiros. “Nessa região de caos, surgiu a ideia de se criar uma solução via setor produtivo”, contou Carter, em entrevista.
Piloto, ele sobrevoava a floresta Amazônica e percebia, a olhos vistos, o avanço da fronteira agrícola por meio do fogo e do desmatamento.
Após bater em muitas portas buscando apoio, sem receber nenhum retorno, John Carter decidiu criar uma organização capaz de garantir a sobrevivência de quem queria produzir da forma certa. Assim nasceu a Aliança da Terra em 2004.
Um dos objetivos era provar que os produtores não eram os principais responsáveis pela devastação da floresta. Mas não só isso. “Nós não queríamos falar que estávamos fazendo a coisa certa, mas comprovar com metodologia, critérios e indicadores. Foi isso e deu certo”, explicou Carter.
Tudo começou a partir da implementação de um sistema de diagnóstico socioambiental nas fazendas, com a assistência técnica a agricultores e pecuaristas nas adequações necessárias e o uso de ferramentas de dados e verificação para atestar as boas práticas adotadas no campo.
O grande legado
Um marco na história da Aliança da Terra foi a criação da Brigada Aliança em 2009, com apoio do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso e do Serviço Florestal dos Estados Unidos, para ajudar os produtores em outra questão essencial: o combate aos incêndios nas áreas florestais e nas propriedades rurais.
“Fundamos este projeto, fizemos o melhor treinamento que existe no mundo. O melhor treinamento técnico trouxemos para cá e, depois, o melhor treinamento de liderança”.
Hoje a Brigada coleciona números impressionantes. São cerca de 2 mil pessoas treinadas, mais de mil incêndios combatidos, e o monitoramento de 13 Unidades de Conservação e mais de 160 propriedades privadas. “Onde a Brigada atua ela resolve, resolve”, enfatizou Carter.
Outro legado importante na celebração desses 20 anos foi a fundação da Produzindo Certo, uma agtech inspirada e idealizada a partir da atuação da Aliança da Terra.
Aline e Charton Locks, que trabalharam na Aliança desde a fundação, criaram a empresa em 2019 com objetivo de ampliar a capacitação técnica socioambiental aos produtores, aumentar os investimentos em tecnologia e ganhar escala.
“A gente sempre tinha um pensamento, desde o início, de que essa questão de sustentabilidade deveria entrar nas relações comerciais”, contou Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.
“A gente precisava investir em tecnologia para ganhar escala, atender mais fazendas, com mais eficiência. E tudo isso com recursos filantrópicos, baseado nas teses de doações das empresas, era mais difícil”, explicou ela.
O diretor operacional da Produzindo Certo, Charton Locks, participou ativamente da estruturação do sistema de diagnóstico socioambiental da Aliança da Terra, que daria origem mais tarde à Plataforma Produzindo Certo.
“Eu tinha a missão de desenvolver um produto que ajudasse a explicar a sustentabilidade de uma fazenda e ajudasse o produtor a montar um plano de ação para melhorar as condições ambientais da sua propriedade. Logicamente, que esse sistema precisava medir também o quanto de coisa boa já estava sendo feita”, contou Charton.
Em poucos anos, com forte investimento em tecnologia e na equipe, a Produzindo Certo alcançou importantes resultados. Passou de 1.100 propriedades monitoradas para 7.500, e de seis dias para o processamento dos dados socioambientais das fazendas para pouco mais de uma hora.
A empresa passou por diversas transformações, ganhou escala e se consolidou como uma agtech especializada na estruturação de cadeias agropecuárias sustentáveis.
Hoje, a Aliança da Terra e a Produzindo Certo seguem em parceria em diversos projetos, como o “Valorizar para transformar”, realizado no Pará, com aporte financeiro da Bezos Earth Fund, fundo de investimentos filantrópicos.
Ao celebrar duas décadas de história, a Aliança da Terra nos mostra que a união entre produção e preservação não é apenas possível, mas essencial.
O legado deixado por John Carter e sua equipe transcende fronteiras e prova que, com determinação e inovação, é viável transformar desafios em soluções, criando um modelo de agricultura que cuida tanto das pessoas quanto do planeta.
As sementes plantadas há duas décadas continuam a dar frutos, inspirando novas iniciativas e fortalecendo o compromisso de trilhar um caminho onde o equilíbrio e a responsabilidade andem de mãos dadas.