A moda do couro responsável - Produzindo Certo
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A moda do couro responsável

Marcas internacionais da moda, como a sueca H&M Group, apoiam projeto piloto com pecuaristas brasileiros para criação de mercado de créditos de sustentabilidade para a cadeia do couro  

De um lado, algumas das mais reconhecidas grifes globais de moda, como a sueca H&M Group. De outro, um seleto grupo de pecuaristas brasileiros. A uni-los, um projeto ambicioso: criar um mercado mundial de créditos de couro responsável, combatendo o desmatamento e incentivando a adoção de práticas de bem-estar animal. 

Pelos próximos três anos, com o apoio de gigantes internacionais, uma iniciativa inédita desenvolvida pela Textil Exchange e seu programa Leather Impact Accelerator (LIA). A Textil Exchange, organização global sem fins lucrativos direcionada a gerar impactos positivos em temas ligados às mudanças climáticas entre as principais empresas têxteis e de moda, vai testar o modelo em propriedades da Amazônia e do Cerrado. A Produzindo Certo será a responsável pela implementação do piloto junto aos pecuaristas.  

O trabalho de campo foi iniciado neste mês de janeiro, com a visita dos técnicos da Produzindo Certo às fazendas selecionadas. Essa ação começará a dar forma a uma ideia surgida há cerca de três anos sobre como gerar valor, para o pecuarista, de um material que, em muitas vezes, é descartado e não rende um centavo a quem cria o gado. A indústria da moda era pressionada pelos consumidores e entidades ambientalistas e defesa do bem-estar animal em virtude de que não havia ações suficientes junto aos fornecedores de couro para o combate ao desmatamento e outras práticas muitas vezes associadas à pecuária.  

Willian Campos (dir.), da Produzindo Certo, em visita à fazenda Morena (MT), de Romeu Ciochetta

“A Textile Exchange já tem projetos na cadeia de algodão e e em outras frentes, mas não tinha nada na cadeia de couro”, afirma Josefina Eisele, responsável local e pelo trabalho com os produtores na Textile Exchange e na LIA.

A principal dificuldade na maioria das propostas era a complexidade e o custo de se fazer a certificação de ponta a ponta em um produto cujo processo começa com o nascimento de um bezerro em uma fazenda muitas vezes remota, passa por outras propriedades e um frigorífico, além de várias etapas de processamento do couro, que podem ocorrer em diferentes países. “A rastreabilidade sempre se perdia em algum ponto desse caminho”, afirma. 

Como a maior preocupação dos consumidores estava justamente na ponta inicial da cadeia, a sugestão de se fazer uma ligação direta entre a indústria da moda e os pecuaristas acabou prosperando. “O que preocupa as marcas é o que se passa no campo: desmatamento e bem-estar animal. Os consumidores pressionam para que o fornecimento das marcas não seja vinculado ao desmatamento”, diz Josefina. 

COMO O CARBONO 

A partir dessa premissa, chegou-se ao conceito de que era preciso construir um projeto de remuneração de couro sustentável em que os valores fossem pagos diretamente aos pecuaristas. “De outra forma não seria possível, pois seria inviável se pagar um prêmio para cada elo da cadeia”, afirma Charton Locks, diretor de Operações da Produzindo Certo. “Se tivesse de dividir entre todos, quanto chegaria ao produtor? Perto de nada”. 

A ideia, então, evoluiu para a criação de uma lógica de mercado de crédito de couro sustentável. Nela, o pecuarista que demonstra compromisso e responsabilidade na produção a partir de um protocolo, sem desmatamento e com bem-estar animal, faz jus a um crédito de couro, calculado a partir da quantidade de animais que estiveram na fazenda durante o ano. 

“O modelo é semelhante ao que já acontece em mercados como o da palma, da soja e do carbono, por exemplo”, diz Charton. “A marca não estará comprando o couro diretamente do produtor, mas o remunerando pela quantidade que necessária para compensar parte do uso de couro na fabricação de seus produtos”. 

Segundo Josefina, o modelo despertou interesse de muitas marcas envolvias nas discussões. O H&M Group foi uma dos primeiros a aderir, concordando em apoiar o projeto-piloto através da assinatura de compromissos de compras dos créditos gerados (“Impact Incentives”). “As empresas de couro não sabem o que fazer e, a menos que tenham total visibilidade de sua cadeia de suprimentos de couro, essa é a única opção disponível até agora. Todas as marcas têm interesse, mas até que contribuam com dinheiro, demoram”, afirma Josefina. Charton Locks completa: “Precisamos criar o mercado, que é inédito, com condições de segurança necessária para que mais empresas possam investir sem medo nesse tipo de solução”. 

ELO ENTRE INDÚSTRIA E O CAMPO 

A estimativa inicial é de que a demanda seja o equivalente ao projeto piloto com cerca de 25 mil animais no período, envolvendo de cinco a sete propriedades já cadastradas na Plataforma Produzindo Certo. A empresa foi escolhida para fazer a implantação do projeto “Impact Partnership” por já ter acesso direto a pecuaristas que já têm suas métricas analisadas e demonstraram estar aptos a receberem os créditos. 

“Somos os agentes de ligação entre esses dois elos, ajudamos a entender os requisitos da indústria da moda e transportá-los para a realidade dos pecuaristas”, afirma Charton Locks. A Produzindo Certo tem também o papel de verificar e apoiar produtores na adequação de suas propriedades. Além disso, atua como gestora de grupos de propriedades.

“O custo para preparar uma fazenda para emitir crédito couro sustentável não é barato e, para uma fazenda com menos couro, pode não ser viável. Ao formar grupos de propriedades, a Produzindo Certo cria escala, que permite diluir custos e fazer um sistema de auditoria amostral. Assim, os pecuaristas conseguirão ganhar dinheiro vendendo os créditos”. 

O primeiro passo do projeto será levar treinamento em bem-estar animal e avaliar eventuais adequações necessárias nas propriedades selecionadas pela Produzindo Certo. A partir de então, todas elas serão monitoradas mais de perto, para garantir que não tenha nenhuma área de desmatamento e que elas estejam melhorando nos critérios socioambientais exigidos. 

A escolha de propriedades na Amazônia e no Cerrado brasileiros para dar início ao projeto é estratégica. Embora a maiora das empresas de moda não tenham controle da origem do couro que utilizam, a ideia de focar nesses dois biomas é agir em regiões que estão no foco da cobrança dos consumidores. “Queremos demonstrar como produtores conseguem passar a atuar como agentes de conservação quando devidamente remunerados”, afirma Charton. 

“O Brasil não é a origem de muitas marcas, mas toda a discussão termina no Brasil”, diz Josefina. “Sabemos como funcionava esse modelo de crédito para palma ou soja. É um ótimo primeiro passo, que leva a mensagem aos consumidores. As marcas apoiam os agricultores a fazerem mudanças positivas, levando a impactos mensuráveis e verificados no solo”. 

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