Convidados da sétima edição da série Vozes Responsáveis debatem como e por que a integração entre sustentabilidade e tecnologia é a chave para garantir uma produção agropecuária eficiente e ambientalmente correta
Há cerca de cinco anos, a SLC Agrícola, uma das maiores empresas do agronegócio brasileiro e mundial, adotou a tecnologia spot spraying para o controle de plantas daninhas. Com a inovação, os herbicidas passaram a ser aplicados apenas e precisamente sobre as invasoras, evitando a pulverização em toda a área e reduzindo a quantidade de defensivo desperdiçado sobre o solo.
Nesse período, o volume do insumo aplicado sobre as lavouras foi reduzido entre 70% e 80%, gerando uma economia superior a R$ 50 milhões. Essa foi a tônica da sétima edição da série Vozes Responsáveis, realizada pela Produzindo Certo para debater o tema SustainableTech.
O exemplo da SLC demonstra que no agronegócio atual, olhar sobre o presente e o futuro não enxerga sustentabilidade e tecnologia separadas. “Não conseguimos mais dissociar sustentabilidade, produção responsável e comida. Todas as empresas estão tendo que investir nisso, e aí entra a tecnologia. Não é mais possível escalar nada em termos de análise de fazendas e produção sem o uso intensivo de ferramentas tecnológicas”, afirmou Leonardo Pinheiro, head de Inovação e Tecnologia da Produzindo Certo. Foi ele quem conduziu o bate-papo do Vozes Responsáveis.
Para discutir esse tema, a Produzindo Certo reuniu três convidados que já estão totalmente envolvidos com a aplicação das inovações tecnológicas para a construção e a manutenção de um agronegócio sustentável e mais responsável. Dividiram a mesa da conversa com Leonardo a gerente de Inovação Aberta da Suzano, Beatriz Claudino; o CEO da Ecotrace Solutions, Flavio Redi; e o head de Inovação da SLC Agrícola, Frederico Logemann. Os três falaram sobre como a tecnologia e a sustentabilidade têm entrado em suas trajetórias profissionais, sobre as experiências e os resultados que comprovam os benefícios dessa combinação.
Assista aqui, na íntegra, à sétima edição do Vozes Responsáveis:
Transformação pela tecnologia
Frederico Logemann é representante da quarta geração de sua família na gestão da SLC Agrícola, empresa que fundaram em 1977 e que, no ano passado, teve lucro líquido acima de R$ 1,33 bilhão. As operações estão distribuídas por 23 fazendas, em sete estados brasileiros, e envolvem principalmente soja, milho e algodão. Também há pecuária, em menor dimensão. Frederico iniciou sua trajetória pela área financeira, em 2006, um ano antes de a empresa abrir capital. Depois integrou o departamento de Relações com Investidores, no qual ficou por dez anos, e rodou o mundo apresentando o negócio.
Segundo Frederico, foi ele quem passou a difundir o tema de inovação aberta dentro da empresa, primeiro informalmente e, depois, desenvolvendo programas de fato. Inclusive com apoio da SLC Ventures, o braço de investimentos da companhia que também visa à aplicação de recursos em startups. “Havia uma demanda para a renovação de nossa gestão da inovação, por conta do que vinha acontecendo na nova economia”, afirmou. “É interessante ver que a empresa veio se organizando para ter a governança de inovação”, comentou Leonardo.
A relação de Flavio Redi com tecnologia e sustentabilidade começa pela pecuária, sua porta de entrada no agronegócio. Primeiro no Grupo VPJ Alimentos, especializado em seleção genética e produção de proteína animal com alto padrão de qualidade. Em seguida, Flavio se tornou sócio-fundador da Gestão Agropecuária, startup focada em gerenciamento comercial, até que fundou a Ecotrace Solutions, agtech que tem como foco principal fazer a digitalização da rastreabilidade de forma segura, confiável e auditável.
Flavio contou durante o Vozes Responsáveis que uma frase do ex-ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, serviu como estímulo para avançar com a Ecotrace. “Ele era conselheiro do José Batista Sobrinho, patriarca da JBS, e comentou que seríamos o berço da comida no mundo, e para virem buscar comida aqui seria preciso termos rastreabilidade e segurança alimentar”, disse. “Fiquei com aquilo na cabeça, estudei o tema, pesquisei sobre legislação, e tinha tecnologia para aplicarmos e desenvolvermos a digitalização da rastreabilidade. E foi nessa jornada que nasceu a Ecotrace, que já tem quatro anos praticamente.”
Beatriz Claudino, que é farmacêutica de formação, chegou à Suzano há cerca de cinco anos para lidar com gestão de projetos de novos produtos, uma linha muito parecida com o que já fazia anteriormente. Aquele início já era focado em sustentabilidade, com o desenvolvimento de itens como papel para copos e papel para canudos. Nesse período, durante um MBA, Beatriz cruzou o caminho da transformação digital. “Aí eu me encantei com open innovation, com o que poderíamos fazer com startups, a parte de design thinking e a agilidade de tudo isso”, afirmou. “Coincidentemente, na mesma época, a Suzano anunciou a criação de uma área de transformação digital.” Durante o Vozes Responsáveis, ela contou quais foram os passos seguintes, mas nem precisaria.
Evolução em novas dimensões
Um dos pontos citados por Leonardo Pinheiro sobre a evolução tecnológica no agronegócio foi a mudança na origem das soluções. “Antigamente, quem desenvolvia essas inovações eram as grandes companhias. Mas de uns anos para cá, isso vem mudando exponencialmente”, afirmou. “Esse papel não é mais dos grandes players, e sim de quem consegue resolver mais rápido as dores.” É aí que entram as startups, empresas proporcionalmente menores que em geral têm maior agilidade para criar, testar e ajustar soluções.
A própria Produzindo Certo é um exemplo dessa mudança, pois têm conseguido levar os conceitos de sustentabilidade para propriedades rurais de diferentes perfis, em diversas partes do País. E contribuído para atender a demanda crescente de grandes grupos do agronegócio por fornecedores que estejam em dia com quaisquer questões socioambientais, sobretudo a legislação. É um movimento que promove a democratização da sustentabilidade.
Segundo Frederico, a mudança da origem das soluções foi exatamente o diagnóstico no qual se baseou para propor à alta gestão da SLC um novo modelo de gestão da inovação. Inclusive em função da dificuldade de orquestrar o processo de testagem de novas tecnologias. “Já não eram mais apenas os grandes fornecedores que consultávamos para saber ‘what is coming?’ [Qual será a próxima novidade?]. Espontaneamente já éramos acessados por diversas startups oferecendo novas tecnologias”, disse o executivo. O desafio era como lidar com essas propostas, como desenvolver um programa de testes das inovações, como definir quanto tempo demorariam e quanto custariam essas avaliações, que em alguns casos ocorriam simultaneamente em fazendas diferentes, sem que uma soubesse o que acontecia na outra. Criou-se então o programa de conexão com startups chamado Agro Conexão.
Daí surgiu uma inversão marcante nessa trajetória tecnológica, que é, em vez da postura reativa, aguardando pelas propostas, passarem a buscar anualmente dentro das áreas das empresas quais dores precisavam resolver. E que as cadeias tradicionais de fornecedores, aparentemente, não estava endereçando. “O processo todo é um grande filtro. Após selecionarmos o que queremos, lançamos essas informações no ecossistema de startups, e já com um padrinho interessado.” Frederico passou a chamar essa movimentação toda de “berçário da inovação”.
No caso da Suzano, essa evolução toda torna-se até um pouco mais fácil porque a inovação já era descentralizada. “Temos uma área de Pesquisa & Desenvolvimento, com foco em melhorias e novos produtos dentro do nosso core. E já temos uma diretoria de Novos Negócios, olhando para o que mais podemos fazer com o eucalipto, como a fibra para tecidos”, comentou Beatriz. Segundo a executiva, o que o setor de Inovação Aberta fez foi estruturar o trabalho que já existia com as startups dentro do grupo. “Começamos a trazer boas práticas de mercado e formas de agilizar o relacionamento com startups. Hoje, conseguimos contratar uma startup em 15 dias.” Esse prazo já foi de 120 dias.
Para Flavio, da Ecotrace, os depoimentos de Beatriz e Frederico soaram mais como boas notícias. “Eu fico contente de ver como as empresas estão adquirindo uma maturidade de lidar com startups”, comemorou o empresário. “A gente que trabalha com negócios B2B tem uma grande dificuldade que é chegar em uma companhia e ela não estar preparada para receber uma startup, desde a parte de contrato.” Segundo Flavio, é muito difícil negociar quando não há uma área específica nem a implantação da cultura para lidar com essa questão. “Fico muito contente, porque a gente já passou – e ainda passa – por muita dificuldade. Mas agora acredito que as coisas estão mudando.”
SustainableTech na prática
Frederico comentou durante o Vozes Responsáveis que, para o grupo SLC, daqui para frente o cenário global do agronegócio será muito mais de abundância do que de escassez. Essa percepção está bastante – mas não somente – relacionada ao conceito de sustentabilidade baseado em fazer mais com menos. “Isso tem uma série de desdobramentos. Quando você faz mais com menos, pode parar de expandir área e vai tirando mais recursos das áreas que já tem disponíveis”, comentou. É isso o que está acontecendo no mundo, segundo o executivo, com a redução da abertura de áreas por conta do que tem surgido de novidades tecnológicas.
A Ecotrace entra nessa história com um papel diferente, pois é ela que apresenta a solução para eliminar uma dor do mercado. E a mais emblemática, segundo Flavio, é a rastreabilidade no segmento de proteína animal, principalmente na carne bovina, pois durante o ciclo de produção gado pode passar de uma fazenda para outra, o que dificulta o acompanhamento. Além desse fluxo nas propriedades, a Ecotrace também entrou na indústria frigorífica.
“Era preciso complementar a rastreabilidade com outras tecnologias, pois o Brasil tem acordos bilaterais entre países e acordos comerciais entre players, e era essencial oferecer garantias. Então entramos na indústria com visão computacional e inteligência artificial”, descreveu Flavio. “Agora, dentro das unidades frigoríficas tem câmeras e treinamos os algoritmos que passam a executar algumas funções que eram feitas por um humano.” Essa segurança chamou a atenção de compradores globais, e aí entrou a adequação da tecnologia do blockchain para suportar os dados e torná-los auditáveis. Hoje, a Ecotrace já representa 40% da exportação brasileira de carne bovina.
A Suzano criou até uma nova palavra para descrever os impactos dos avanços tecnológicos, que é a “inovabilidade”, uma combinação de inovação com sustentabilidade. “Vai muito na linha de termos o olhar para sustentabilidade em tudo o que fazemos”, disse Beatriz, que exemplificou essa visão com um case envolvendo a inteligência das coisas (IoT). Aplicada nas empilhadeiras, a tecnologia avalia o consumo de combustível e as emissões dos veículos em tempo real, o que permite otimizar a gestão da operação. Dessa forma, é possível mudar o processo para reduzir o consumo de combustível e as emissões e ainda empoderar quem opera a empilhadeira. “A gente prega na Transformação Digital que a tecnologia é um meio, mas para resolver o problema como um todo é preciso ter pessoas, mudar o processo, empoderar tecnológica e culturalmente e fazer uma gestão da mudança”, acrescentou.
A sétima edição do Vozes Responsáveis tem ainda muitos outros detalhes sobre como esse conceito de SustainableTech vem impactando a evolução do agronegócio. Acompanhe esse bate-papo na íntegra pelo canal da Produzindo Certo no YouTube, e aproveite para deixar seu comentário sobre sua experiência com essa transformação tão tecnológica quanto sustentável.