Ao enfrentar seus próprios desafios, a fundadora da Já Entendi desenvolveu uma metodologia de ensino inovadora que facilita e acelera a aprendizagem. Assim descobriu que nunca é tarde para se reinventar
Gladys Mariotto é fundadora e CEO da Já Entendi, startup de inteligência educacional que desenvolve uma metodologia de aceleração de aprendizagem. A empresa surgiu em 2012 e já atendeu milhares de pessoas em dezenas de empresas de diferentes segmentos, com foco principalmente nos profissionais da base da pirâmide, o popular “chão de fábrica”. Em 2021, a startup passou porteira adentro para potencializar o ensino também no agronegócio. Era a origem da Já Entendi Agro, que está rendendo mais frutos do que se imaginava.
Exemplo de conquista nessa nova etapa é a seleção, com mais dez startups, para o Intensive Connection 2023, realizado pelo AgTech Garage. A Já Entendi Agro foi escolhida para trabalhar em parceria com a Produzindo Certo junto ao Sicredi, instituição com 120 anos de história dedicados ao crédito cooperativo e atuação por todo o País.
Segundo Gladys, há uma sinergia valiosa na atuação com a Produzindo Certo. “Temos muito a aprender com a empresa acerca dos processos no campo, com a expertise de seus consultores, com a diversidade das regiões em que atuam”, afirma a empresária. “Por outro lado, podem ganhar com a possibilidade de levar capacitação on-line para as fazendas.”
A experiência de ouvir Gladys falar sobre a criação da Já Entendi é encantadora, por sua preocupação com o aproveitamento do ensino. A metodologia que criou prioriza quem está aprendendo, é fundamental ouvir o público que vai receber os ensinamentos, descobrir quais são seus desafios para essa jornada, para facilitar a explicação e absorção desse conhecimento. Foi assim que moldou sua própria maneira de aprender, para superar seu elevado déficit de atenção.
Recalculando a rota
Aqui vale voltar um pouco no tempo para contextualizar todo esse processo. Gladys nasceu em São Paulo (SP), mas durante a infância e a adolescência passou bastante tempo na fazenda da família, localizada entre Cascavel e Céu Azul, no oeste paranaense. A produção rural vem desde a geração de seu bisavô, depois a propriedade passou para seu avô, até que sua mãe, Icleia Mariotto, assumiu parte dos negócios e veio a mudança para o Paraná.
Gladys passou a estar mais próxima do campo, no entanto, segundo ela, sempre como expectadora. Em Cascavel, casou-se com um fazendeiro que tinha propriedade em Ponta Grossa, onde foi morar, a mais de 400 quilômetros dali. Após 18 anos de casamento, com três filhos, o casal se divorciou.
Como se uma separação já não fosse complicada o bastante, um dos filhos de Gladys, com apenas oito anos, teve um AVC. E ainda naquele período sua mãe estava prestes a perder a fazenda. “Houve uma sequência de safras frustradas. Vinha um empréstimo para pagar as dívidas, depois um segundo para pagar o primeiro, foi ficando cada vez mais difícil”, diz a empresária.
A fazenda acabou sendo vendida e Dona Icleia tentou uma última cartada: arrendar a propriedade para seguir plantando e, com a venda da colheita, amenizar as pendências. Não deu certo. Gladys é filha única, então ela e a mãe só tinham uma à outra. “Foi tanto tempo com dificuldades que eu só esperava qual seria o próximo desafio”, conta.
Restava viver um dia de cada vez e se apegar ao sentimento de que não poderia perder tudo. “Eu tinha um pensamento de que aquilo não ia me derrubar. Custou-me caro chegar até ali, perdi muita coisa”, comenta Gladys. Para tentar uma nova trajetória, mudou-se para Curitiba, e o primeiro passo por lá foi entrar na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). “Entrei pensando na pintura e, talvez, em seguir na vida acadêmica”, diz.
Caminho filosófico
Enquanto o futuro não se definia, Gladys conseguiu negociar seus quadros na hotelaria. A condição financeira melhorou com a multiplicação dos pedidos, mas não foi suficiente para evitar a insegurança trazida pelas lembranças recentes. “E se eu não conseguisse mais vender tanto?” A artista decidiu ir além, e para isso precisava escrever melhor. “Aí eu fui para filosofia, mesmo sem saber exatamente o que era. Mas eram os filósofos que escreviam muito bem. Foi ali que me encontrei, comecei a abrir meu caminho.”
O novo universo empolgou tanto que, simultaneamente, Gladys iniciou uma pós-graduação em História da Arte e Sociologia e um mestrado em Filosofia. Em meio a esse turbilhão acadêmico surgiu a necessidade de facilitar e aprimorar a forma de aprender. Até para dar conta de lidar com tantas atividades e o déficit de atenção. A empresária iniciou a primeira faculdade aos 36 anos de idade, e não queria perder tempo.
Essa gana pelo aprendizado também a levou a estudar cinema, após conquistar a verba para viabilizar a produção de um filme que ensinaria filosofia em escolas públicas. O curta-metragem Para Além da Razão pretendia tornar mais acessível a filosofia de Friedrich Nietzsche. A animação toda feita em stop motion, a tecnologia do quadro-a-quadro, foi lançada em agosto de 2010.
Ao tentar levar a filosofia para as escolas, Gladys foi levada até o outro lado do mundo. Por conta do filme, foi convidada a participar do Japan Prize International Contest For Education Media, importante premiação para iniciativas educacionais promovida pela rede de comunicação pública japonesa NHK. Foram cinco dias conhecendo vários projetos voltados à educação, debatendo desafios e entendendo como cada solução cabe em cada desafio. Estava surgindo o embrião da Já Entendi.
Retorno ao agro
A notoriedade transformando a educação dentro de diferentes corporações abriu uma estrada para que Gladys retornasse ao campo. Pelo hub de inovação GeTec, ficou sabendo sobre o interesse da Bayer em capacitação de mão de obra. “A dor que eles tinham era muito maior do que a de outras grandes empresas. No campo é mais difícil”, lembra a empresária. Esse foi um primeiro passo para começar a receber outros convites, como da John Deere e da AgroGalaxy.
Até pelas peculiaridades do setor, Gladys tomou a decisão de criar a Já Entendi Agro, com os sócios Maurício Ribeiro, responsável pelo operacional, e Rogério Duarte, o homem da TI. “Estamos fazendo de tudo para atender todos os clientes que nos procuram. Cada um tem suas particularidades, mas o conceito é o mesmo”, avalia. “Levamos conhecimento para funcionários das empresas, produtores, pessoal das revendas.”
No próximo dia 21 de setembro, Gladys Mariotto completará 61 anos de vida, cheia de boas histórias, uma série de reinvenções e em paz com as memórias de outros tempos no agro. Agora, a situação é outra. “Por algum motivo emocional, me sinto mais segura trabalhando com o agro. Voltei para o ninho”, afirma a empresária, com uma clara expressão de satisfação. Quem quiser entender um pouco mais da visão de Gladys sobre o poder da educação, vale assistir a outro curta-metragem produzido por ela, um documentário de 2015 gravado com crianças de São Tomé e Príncipe, Portugal e Brasil. O título: A felicidade mora aqui.