Por melhores que sejam as intenções, muitas vezes a realidade nos atropela e indica que o melhor caminho é o possível, e não apenas o desejável.
As Olimpíadas de Paris reforçam essa lição e servirão, por muito tempo, como um ensinamento para quem atua na área da sustentabilidade.
Eram para ser verdes, embaladas por um discurso idealista e, em alguns pontos, controverso. Mas palavras também precisam se sustentar com a prática – e isso não aconteceu.
As promessas de “sustentabilidade rigorosa” incluíam, entre outras coisas, abrir mão da instalação de ar condicionado nos edifícios da Vila Olímpica, em nome de um menor consumo de energia e, assim, menor emissão de gases de efeito estufa.
Isso, em pleno verão europeu, com as temperaturas em Paris superando facilmente os 30 graus.
Ainda mais polêmica foi a decisão de restringir a carne bovina dos cardápios oferecidos aos atletas, sob a justificativa discutível de que a pecuária bovina seria uma grande emissora de gases, que a organização dos jogos não gostaria de ver adicionados na sua conta.
Nos dois casos, a realidade se impôs, mostrando a inviabilidade de se cumprir o planejado e, ao mesmo tempo, atender às necessidades de seu público.
Para atingir seu melhor desempenho, os atletas do mundo todo que foram a Paris precisam de algumas condições mínimas de conforto e nutrição, que devem ser observadas pelos anfitriões. As delegações protestaram e o comitê organizador teve de rever suas decisões.
A carne voltou ao cardápio. E aí percebe-se como o afã de vender um discurso impediu de se aproveitar uma oportunidade. Ao invés de prometer uma Olimpíada sem carne e ter de recuar pela impossibilidade de cumprir a promessa, não seria mais proveitoso incentivar projetos de pecuária de baixo carbono (ou até mesmo carbono zero, como alguns já existentes no Brasil), e servir ao mundo carne devidamente rastreada e certificada?
No caso do ar-condicionado, o sistema proposto pela Paris 2024 foi vencido pelo clima. Os organizadores foram obrigados a adquirir, na última hora, mais de 2,5 mil aparelhos e alguns países compraram também boas quantidades para instalar nos apartamentos destinados a seus atletas.
Parece um problema prosaico, mas seus impactos não se medem apenas em recursos. Imagens de atletas dormindo nos jardins para fugir do calor dos quartos se espalharam pelo mundo, ofuscando os eventuais acertos do programa de sustentabilidade dos jogos.
Em reportagem publicada nesta quarta-feira, 7 de agosto, o portal Capital Reset apresenta um relatório produzido pela XP avaliando, à medida em que as competições avançam, o cumprimento das metas de descarbonização dos jogos.
Os analistas responsáveis pelo estudo reconheceram alguns sucessos, mas mostravam-se céticos em relação ao resultado final.
“Ao mesmo tempo em que vemos com bons olhos as metas de sustentabilidade de Paris 2024, não vemos que elas serão facilmente cumpridas”.
Quem vive a prática dos projetos de sustentabilidade aprende, muitas vezes “na marra”, que metas ambiciosas demais podem representar vê-los taxados como fracassos, ao invés de reconhecer seus sucessos.
E isso, em médio e longo prazos, pode resultar no encerramento desses projetos e em retrocesso na imagem de todo um segmento.
Muitas empresas e instituições incorreram, ao longo dos últimos anos, nesse erro, por não compreenderem as limitações de execução impostas pelo ambiente, pelas populações ou pelas tecnologias envolvidas e, assim, não calibrarem devidamente suas expectativas.
O planejamento de ações sustentáveis deve começar pela definição de metas viáveis e realistas, ao invés de perseguir ilusões.
Um exemplo é o que está sendo feito pelo Reg.IA, primeiro consórcio de agricultura regenerativa da América Latina, lançado na semana passada em Rio Verde (GO), a mais de 10 mil quilômetros de distância de Paris.
Grandes empresas e instituições como Agrivalle, Bayer, BRF e Gapes uniram-se a Produzindo Certo em um projeto, de incentivo ao produtor para a produção de soja regenerativa. Pelo porte dos envolvidos, muitos poderiam imaginar um programa com metas grandiosas.
Elas até existem, mas não para já. O projeto começa pequeno e exigindo dos produtores, nos primeiros anos, a execução de um protocolo com práticas que estão ao seu alcance. Com o tempo, esse protocolo será ampliado.
Assim, ao invés de impor uma nova cultura, a ideia é trabalhar para que ela seja adotada, voluntariamente e de forma sustentável. Afinal, estamos em uma maratona, e não em uma corrida de curta distância.