A insustentável comparação Mercosul-Europa - Produzindo Certo
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A insustentável comparação Mercosul-Europa

O roteiro tem se repetido, com pequenas alterações, nas últimas duas décadas. Cada vez que falamos da evolução de um acordo comercial para facilitar e ampliar as transações entre Mercosul e Europa, ouve-se um coro de oposição vindo do outro lado do Atlântico.

Desta vez, porém, abre-se uma nova temporada da longa série, com um cenário modificado: temos, finalmente, um acordo assinado entre os dois blocos. Anunciado como histórico, ele abre caminho para a formação o que está sendo chamada de a maior parceria comercial do mundo.

É justo celebrar-se o avanço como histórico, depois de tomar o espaço de uma geração para se chegar ao ponto em que estamos agora. Sem perder a noção, entretanto, que há muito ainda a percorrer para que o documento firmado em Montevideu neste 6 de dezembro passe a ter efeito real no comércio entre os dois continentes.

A necessidade de ratificação pelos países membros dos dois blocos econômicos e a posterior votação nos parlamentos do Mercosul e da União Europeia ainda dão caldo para mais tensão e suspense, que podem se arrastar por mais duas temporadas.

E aí, não devemos nos enganar, os roteiristas dessa história não criarão uma trama diferente. Embora nem seja, em termos dos valores transacionados, o maior segmento a usufruir dos benefícios de uma zona de livre comércio, o agronegócio será o protagonista dos debates, sempre emoldurado pelo cenário ambiental.

Haverá resistências e, como ocorreu nessas duas décadas de discussões, o maior ruído deverá soar a partir do mesmo ponto: os ambientes rurais da França, país que reúne a maior área agrícola e o maior contingente de produtores rurais da Europa. Os franceses são os principais produtores de alimentos do continente.

Contam com apoios de seus pares em países como Holanda, Itália e Polônia, que encampam os mesmos argumentos de que o acordo permitirá (ou permitiria?) uma concorrência desleal dos produtos agropecuários oriundos do Mercosul – Brasil à frente – em relação aos que saem de suas fazendas.

Para defender suas teses, encampam comparações entre modelos incomparáveis de produção e exigências sanitárias e ambientais, como se o agro de lá e o agro daqui fossem farinha do mesmo saco. E propõem que o acordo seja modificado para que as exigências de lado a lado sejam equalizadas – a partir das suas réguas, diga-se.

Modelos fundiários, arcabouços legais e contextos históricos nos tornam, entretanto, suficientemente distintos para tornar inadequadas as analogias. Não se pode exigir que os franceses produzam de acordo com o Código Florestal brasileiro – quanto teriam de recuperar em áreas desmatadas para recompor as exigências de preservação da nossa legislação?

Também não podem nos impor a sua legislação ambiental, inclusive quanto ao uso de insumos. A agricultura tropical, com até três safras ao ano na mesma área, realizada no Brasil é muito distinta da praticada no clima temperado europeu, com menos ameaças naturais de pragas em sua única colheita anual.

Ao longo das últimas décadas, os produtores rurais brasileiros se defrontaram com exigências crescentes e investiram em formas de atendê-las. Continuam sendo desafiados a produzir de forma mais sustentável e a abrir mão de seu direito legal de abrir novas áreas de produção em nome da manutenção de reservas naturais.

Escala e eficiência nos tornam competidores mais fortes nos mercados globais e fornecedores mais estratégicos para um mundo que precisa ampliar a oferta de alimentos a preço justo a populações crescentes – inclusive a europeia.

Agricultores europeus acomodaram-se nas robustas políticas de subsídios e fizeram com que a atividade agropecuária perdesse o dinamismo no seu continente. O universo rural deixou de ser atraente aos jovens e, assim, acabou encontrando o caminho de se apoiar em outros atributos, como a tradição e a qualidade de suas cadeias agroindustriais com valor agregado.

Assim, ao invés de comparar, nessa próxima temporada da novela EU-Mercosul o roteiro deveria apostar em destacar as complementaridades. A riqueza está na diversidade, no que fazemos de diferente e que podemos trocar de forma mais inteligente e rentável.

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