A biodiversidade merece crédito - Produzindo Certo
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A biodiversidade merece crédito

Em algumas propriedades rurais brasileiras, uma nova rotina passou a ser incorporada nos últimos tempos. Além dos tradicionais cuidados com a produção agropecuária, agropecuaristas estão se dedicando a fazer inventários de animais, plantas e até microorganismos que vivem no solo.

O que até muito tempo parecia sem valor – e, em alguns casos, até um passivo que gera custos na sua manutenção – agora é visto como ativo, que pode gerar uma renda adicional no futuro.

Recentemente, em uma entrevista ao portal AgFeed, o sócio do grupo Agro Penido, Caio Penido, um dos principais porta-vozes da produção responsável no País e um pioneiro na defesa da remuneração dos produtores por serviços ambientais, revelou que, em suas fazendas, já tem feito o monitoramento da fauna, olhando tanto a vida no solo – a presença de enzimas e a vida microbiológica – quanto os répteis, aves, mamíferos.

Assim como imaginava há alguns anos com os créditos de carbono – que hoje passam a ser uma realidade para a sua empresa –, ele agora vislumbra que, dentro de alguns anos, poderá pleitear (e sobretudo receber) pela riqueza natural preservada em suas propriedades através de créditos de biodiversidade.

“É para o futuro, mas já estamos conversando com startups, juntando todas as nossas ações de biodiversidade. A gente já está se preparando, na Agro Penido para essa discussão”, disse ele à reportagem.

O conceito de créditos de biodiversidade é razoavelmente recente, mas tem ganhado espaço nas discussões em torno de se buscar maneiras de captar recursos privados para a conservação e restauração da natureza.

O portal Capital Reset conta que “eles passaram a ganhar atenção redobrada de diferentes organizações com a aprovação do ‘Acordo de Paris da Natureza’ em 2022, como ficou conhecido o Marco Global da Biodiversidade, e a pressão pela divulgação de relatórios financeiros que levam em conta o capital natural, como o proposto pela Taskforce on Nature-Related Financial Disclosure (TNFD)”.

Assim como aconteceu há algumas décadas, quando a comunidade internacional começou a falar dos créditos de carbono, a ideia de transformar a biodiversidade em ativos negociáveis em um mercado próprio ainda desperta debates.

Mas a evolução da experiência com a remuneração pelo resgate e a fixação do carbono, de certa forma, aponta um caminho mais suave para essas discussões, permitindo que se encurte o tempo para o que é hoje o desejo de alguns se torne em uma realidade para muitos em alguns anos.

O processo do carbono traz lições e alertas que não podem ser ignorados. O calcanhar de Aquiles desse mercado é a credibilidade e o risco de greenwashing. A falta de uma regulamentação clara amplia o risco de que algumas iniciativas sejam superficiais e sem impacto real.

A absorção lenta e os altos custos também ajudaram a retardar o desenvolvimento desse mercado.

As conversas em torno da biodiversidade no âmbito internacional têm ganho popularidade. Prova disso é a atenção maior dada às COPs da Biodiversidade – a mais recente aconteceu na Colômbia, no ano passado. Antes totalmente ofuscadas pelas conferências em torno do clima, elas passaram a ganhar espaço nas agendas de líderes e das corporações.

Por outro lado, a implantação de um mercado de créditos de biodiversidade pode esbarrar na dificuldade de se definir metodologias amplamente aceitas para a mensuração desses ativos, considerando as enormes diferenças entre biomas e suas particularidades.

Esses créditos representam uma revolução na forma como valorizamos e financiamos a conservação ambiental no Brasil. Para que esse mercado se torne uma alternativa viável e confiável, é essencial que haja padronização, maior integração com outros mercados ambientais e incentivos adequados para os produtores.

Por enquanto, a despeito da expectativa de agroambientalistas como Penido, um frequentador assíduo de fóruns internacionais sobre sustentabilidade, a biodiversidade é mais uma trilha que precisa ser desbravada do que uma realidade palpável.

Antes dela, aqui no Brasil, a própria regulamentação do mercado de carbono e do pagamento por serviços ambientais precisam avançar, para gerar um real estímulo a um número maior de produtores rurais.

Olhando para o quadro amplo, esses mecanismos são complementares e formariam um pacote justo para recompensar os produtores que, em muitos casos, abrem mão dos seus direitos sobre o uso da terra em prol da preservação.

Créditos de biodiversidade funcionariam como uma ferramenta de financiamento da conservação da natureza. Diferentes dos créditos de carbono, que buscam neutralizar emissões de gases de efeito estufa, eles visam justamente compensar impactos sobre ecossistemas e incentivar a manutenção ou recuperação da biodiversidade

O potencial desse mercado é gigantesco para o Brasil, um dos países mais biodiversos do mundo. Dados da Embrapa apontam que cerca de dois terços do território nacional são preservados, boa parte deles em terras privadas.

O desafio, como mostra Penido, será integrar esse monitoramento de fauna e flora às atividades agropecuárias e, posteriormente, convertê-los em ativos remuneráveis.

A engenhosidade dos produtores brasileiros, ao lado de um número cada vez maior de empreendedores focados em negócios ambientais, pode gerar novos produtos, combinando a produção sustentável já realizada em um grande número de propriedades rurais com a biodiversidade presente nas propriedades.

Pode-se vislumbrar a oferta de pacotes incluindo soja sustentável, com rastreabilidade e transparência, e créditos de biodiversidade para compradores internacionais que buscam reduzir sua pegada ambiental.

Isso geraria a possibilidade de uma nova fonte de receita para fazendas que preservam áreas nativas ou adotam práticas regenerativas, que podem monetizar essas iniciativas.

Da mesma forma, daria a elas acesso a mercados premium de empresas globais, que valorizam cadeias produtivas sustentáveis e estão dispostas a pagar mais por produtos que demonstram responsabilidade ambiental.

A agricultura livre de desmatamento passa, obrigatoriamente, por modelos de financiamento que enxerguem valor nos ativos preservados.