Um recente estudo acadêmico lançou luz sobre uma questão premente no cenário agrícola global – e do brasileiro, em particular. Publicado no início de maio pela organização IPES-Food, estudo Encurralados – O Aumento do Preço de Terras, levanta alertas importantes sobre como pressões econômicas advindas de várias frentes podem estar levando ao aumento da concentração de terras nas mãos de poucos grupos e, com isso, a uma maior desigualdade no meio rural.
O trabalho aponta quatro tendências principais que inviabilizariam a permanência de muitos pequenos e médios produtores em suas propriedades. Algumas delas vêm a reboque de conceitos e projetos que, a princípio, trazem boas intenções em seus escopos, como a ampliação da produção de alimentos ou a compensação de emissões por outros setores, mas que podem estar contribuindo para gerar impactos danosos aos sistemas alimentares e à manutenção da atividade agropecuária por pequenos e médios produtores.
Segundo os autores, essas justificativas têm levado à apropriação de terras por grandes grupos econômicos, que vislumbram grande potencial de valorização em áreas com potencial de produção agrícola e com reservas de recursos naturais fundamentais como água e biodiversidade. Eles ressaltam, por exemplo, que grandes fundos de investimento globais já classificam as terras agrícolas como uma classe autônoma de ativos e dobraram seus investimentos nesse segmento depois da pandemia.
Outra tendência destacada no estudo é a invasão de grandes áreas pela expansão de outras atividades econômicas. Os autores citam especificamente a mineração, que, estimam, teriam sido responsáveis, nos últimos 10 anos, por 14% das grandes transações de terras ocorridas no planeta, envolvendo 7,7 milhões de hectares.
Além disso, indicam, a reconfiguração de sistemas alimentares, com uma mais influência de grandes indústrias sobre as cadeias produtivas – e, consequentemente, sobre as decisões dos produtores – seria outro importante vetor no mesmo sentido.
Da mesma forma, segundo o relatório, o interesse crescente de grandes corporações e instituições financeiras em projetos para compensação de emissões e com foco em biodiversidade tem ajudado a provocar uma crescente nos preços da terra, “encurralando” os agricultores e a produção de alimentos. Desde o ano 2000, de acordo com o estudo, terras equivalente a duas vezes o tamanho da Alemanha foram arrebatadas em negócios transnacionais em todo o mundo.
Com grandes extensões de terras agrícolas sendo adquiridas por governos e corporações, essas “apropriações verdes”, como denominam os autores, já representariam 20% de negócios de terras em larga escala. E a demanda seria crescente. “Somente as promessas dos governos de remoção de carbono da terra somam quase 1,2 bilhão de hectares, o que equivale ao total de terras agrícolas do mundo”, diz o estudo, avaliando que os mercados de compensação de carbono podem quadruplicar nos próximos 7 anos.
Um efeito colateral dessa corrida da descarbonização seria, justamente, a concentração de terras nas mãos de poucos grupos econômicos e a inviabilização da propriedade por pequenos e médios produtores rurais.
Embora os esforços em prol da sustentabilidade sejam louváveis, a falta de uma análise sistemática dos projetos, respaldada por uma ciência robusta na avaliação de impacto, pode, de fato, resultar em consequências indesejadas. A cega adoção de projetos sem considerar suas ramificações sociais, econômicas e ambientais pode agravar as desigualdades no campo e comprometer a viabilidade de uma agricultura diversificada e inclusiva.
Um dos pontos cruciais levantados pelo estudo é a necessidade urgente de estratégias que contemplem os pequenos e médios produtores. Estes atores essenciais da agricultura brasileira muitas vezes são deixados de lado em iniciativas de sustentabilidade, o que pode aprofundar ainda mais as disparidades no setor.
Para garantir uma transição verdadeiramente sustentável, é fundamental que políticas e programas sejam desenhados com atenção especial às necessidades e realidades desses produtores. Em um país onde a agricultura do pequeno e médio produtor desempenha um papel crucial na segurança alimentar e na preservação ambiental, ignorar essa classe de produtores é um luxo que simplesmente não podemos nos dar.
É hora de uma abordagem mais inclusiva e holística, que reconheça a importância da diversidade agrícola e promova práticas sustentáveis que beneficiem a todos os segmentos da sociedade rural.